sexta-feira, 6 de agosto de 2004

Sabe aquela do padre?

Se o campeonato brasileiro de futebol é uma maratona de 38 rodadas, a acusação de doping contra Dodô foi o padre irlandês que atrapalhou a corrida surpreendente do líder.

A competição chega a seu momento crucial, quando os chamados "coelhos" dão espaço para os atletas de alto nível que realmente têm chances de faturar o prêmio maior. Para quem não sabe, o coelho é aquele corredor que dá todo o gás no início da prova para tentar puxar o ritmo dos grandes atletas. Como nenhum ser humano consegue manter o ritmo frenético de um "coelho", este se retira da prova fatigado, ou então se contenta em apenas terminar a corrida, isso lá no pelotão intermediário.

O Botafogo fez um grande campeonato carioca e uma boa Copa do Brasil, embora não tenha vencido nenhuma das duas competições. Até aí nada demais, afinal o Flamengo cansou de ser campeão estadual do Rio de Janeiro e fazer feio nos campeonatos brasileiros. O próprio Flu, que venceu a Copa do Brasil neste ano tem um time bastante limitado e que ocupa as posições medianas da tabela. O que surpreende no alvinegro é o bom futebol e a eficiência: liderou durante mais de dez rodadas, algumas delas com cinco pontos de vantagem para o segundo colocado.

Quando a lua-de-mel com a atorcida parecia ter chegado ao ápice, o glorioso sofreu um duro golpe. Assim, da noite para o dia, surgiu a notícia de que seu principal jogador, Dodô, havia sido pego no antidoping. Pronto. O padre derrubou o líder e a casa botafoguense caiu.

Recordo-me das declarações de Vanderlei Cordeiro de Lima após o bronze em Atenas afirmando que não sabia se venceria aquela prova caso não tivesse sido atrapalhado. Mais do que humildade, ele mostrou realismo na análise. Primeiro porque sabia que não era favorito e que havia pelo menos cinco corredores com mais condições técnicas de vencer aquela prova, a começar pelo italiano que levou o ouro. Depois porque, mesmo antes de ser agarrado pelo padre irlandês, Vanderlei já via sua vantagem ser reduzida para os primeiros colocados.

Ocorreu o mesmo com o Botafogo.

Em termos de pontos, a vantagem alvinegra era boa. A questão é que o São Paulo começou meio devagar mesmo, ainda se recuperando dos traumas das eliminações na Taça Libertadores da América e no Campeonato Paulista. Já dava sinais de que entraria na briga quando a bomba do doping explodiu. Possivelmente não teria chegado tão rapidamente, mas nem o mais otimista dos alvinegros acreditava que ficaria tanto tempo na liderança sem ser incomodado. O São Paulo tem mais dinheiro, mais estrutura, mais elenco e, por isso, mais fôlego para setir menos o peso dessa maratona. Até os portões de General Severiano sabem isso de cor.

Nos cinco jogos sem Dodô, o Botafogo venceu dois, perdeu dois e empatou um. Em suma, não fez uma campanha tão ruim. O que impressiona é o aproveitamento até a décima rodada, momento em que a notícia catastrófica chegou a General Severiano. Eram sete vitórias e quatro empates (o Bota havia jogado 11 partidas devido à antecipação do confronto com o Vasco, pela rodada 12). Estava com cara de "coelho" e pinta de coelho. Ou cavalo-paraguaio, como gostam de dizer no meio futebolístico.

Pois Dodô foi absolvido e voltou a jogar. Retornou à pista justamente quando o Botafogo perdia toda a vantagem que tinha para os são-paulinos e tinha de passar o bastão da liderança pela primeira vez na competição.

Provavelmente a euforia que resvala numa certa soberba impeça os botafoguenses de uma análise fria como a que fez Vanderlei Cordeiro de Lima após ganhar o bronze nas Olimpíadas de Atenas. Eles podem até praguejar contra o tribunal que condenou seu artilheiro em primeira instância tal e qual o padre que se intrometeu na corrida dourada de nosso maratonista. Fato é que nem o mais otimista dos alvinegros acreditaria no fim de 2006 que estaria brigando pelo título e com chances reais de chegar entre os quatro primeiros para garantir vaga na Taça Libertadores da América. Nada mal uma medalha e um pódio para quem há pouco tempo se mostrava satisfeito em não flertar com a segunda divisão.