terça-feira, 28 de setembro de 2004

Diário de um vexamista


Depois do boquense, do são-paulino e dos atleticanos, acaba de se inaugurar uma nova categoria: os vexamistas!

Acabo de passar por uma pouco comum, ao ter de me conectar na Internet para ver o resultado do jogo de meu time no dia anterior. Logo eu, tão aficcionado por futebol e mais aficcionado ainda pelo Botafogo! Mas sabe que por um lado foi bom?

Pela primeira vez pude ler uma manchete virtual que me contasse 100% do que eu não sabia. Ontem tive um compromisso inadiável e não pude ver o jogo. Cheguei em casa tarde e fui dormir. Ao navegar pela Grande Rede, então, me deparo com a foto do Juninho cabisbaixo e a legenda: "Zagueiro é a imagem da decepção após vexame". Entre as chamadas, uma garante a demissão do técnico Cuca, não aceita pelo dirigente que se diz envergonhado.

De quanto foi a goleada? Qual o saldo do tango mal dançado em Buenos Aires? Quatro a zero? Não, deve ser pouco. De alma sofredora prevenida, pensei em algo como sete, oito a zero.

Que nada, 4 a 2! Eis o "retrato" do vexame inaceitável. Aí pensei que alguma coisa estava errada. Poderia ser a legenda, que tratou uma eliminação natural como uma catástrofe incalculável. Mas ela não deixava de ser solidária à declaração do dirigente. Será que o cego sou eu mesmo? Pode ser, mais deixa ser que este espaço seja o divã virtual (separado e sem o n no final, por favor!).

Quer dizer que perder para uma das duas maiores forças da Argentina ainda por cima NA ARGENTINA por 4 a 2 é um vexame? Tá certo... Imagina que haviam se esquecido do vexame da tenebrosa Hungria em 1938, quando foi arrasada impiedosamente pelas forças de Mussolini por 4 a 2 ou o próprio Brasil de Didi e Nilton Santos, que se curvou de joelhos à hungriazinha de Puskas e Yashin, num vexame incalculável pelo mesmo placar, em 1954. Por falar em argentinos, e para ser mais contemporâneo, o que dizer então da vergonhosa derrota do Vasco para o lanuzinho semana passada por 2 a 0. Com um pouco de vergonha na cara, nem teriam entrado em campo anteontem. Mas vá lá, o regulamento mandava...

Por isso, era obrigação que o Botafogo saísse triunfante com uma vitória incontestável da Argentina. O 1 a 0 no Brasil tinha sido um mero disfarce, afinal a diferença de esquadrões era abissal. Veja que o time alvinegro até deixou ser vencido pelo fraquíssimo Fluminense para dar aquele ar de sansão moribundo...

A desfaçatez foi tamanha que, por 94 dos 95 minutos de jogo, o Botafogo esteve com a vaga na mão, em mais uma demonstração da genuína Raça Gloriosa, demonstrada tão bem no domingo contra aquele Fluminense. Mas levou um gol aos 47 do segundo! Um gol do riverplatezinho na argentinazinha.

Pensando bem, foi um vexame! Perder para um time que tem um cara chamado Ortega... Ortega não, orteguinha. Ou orteguito, como os próprios argentinos gostam de dizer curvando-se à sua vexaminosa inferioridade. Mas vá saber onde estavam com a cabeça os deuses do futebol...

Senão, como explicar as falhas de Max, o paredão alvinegro, Barbosa redivivo sempre a carregar sua cruz pelos erros que não cometeu? Ou a improvável derrocada de uma zaga absoluta. Aliás, alguém se lembra da última vez que essa muralha deixou passar quatro gols de um argentino? (Digo, de um TIME argentino).

Por isso mesmo, me rendo à minha miopia. Os dirigentes desse glorioso e vencedor clube têm razão. Como a FIFA ainda não descobriu o Botafogo para torná-lo sócio-vitalício do Mundial de Clubes e a Conmebol o deixou 11 anos sem uma partida estrangeira oficial?

A culpa é do Cuca, que transformou um time que não ganha quase nada em um time que quase ganha tudo...

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

Cidade maravilhosamente tricolor


Com o mesmo número de jogos que o vice-líder Cruzeiro e nove pontos à frente do time mineiro, o São Paulo chega ao último terço do campeonato brasileiro com a mão na taça. Só perde para si mesmo e ainda assim se fizer muita força. Fase maravilhosa com a bênção do Redentor, de braços abertos para o clube mais bem estrutuado e planejado do país.

É na cidade fundada por Mem de Sá que residem as maiores glórias tricolores na temporada. Primeiro, com a vitória sobre o então vice-líder Botafogo, no fim do primeiro turno. Se alguém tinha dúvidas de que o título de 2007 estava muito bem encaminhado para o tricolor, a prova dos nove foi dada ali, diante de 50 mil torcedores do rival. E quando a vantagem já estava consolidada, foi a vez de desbancar o Vasco, invicto há um ano em seu estádio e com o melhor aproveitamento em casa entre os 20 participantes do Brasileirão.

O terceiro triunfo são-paulino em terras fluminenses veio nesta quarta sem que a equipe precisasse derramar uma gota de suor. Não é difícil imaginar que a vitória cruzeirense diante do Flamengo e uma derrota para o Santos no fim-de-semana poderia derrubar a confortável vantagem de nove pontos, construída com tanto cuidado e planejamento. Os 3 a 1 rubro-negros foram o presente de natal antecipado que todo tricolor gostaria de ter recebido. Agora é ter paciência para esperar os jogos que restam.

Entra jogador, sai jogador e o São Paulo não muda a maneira de jogar. Defesa sólida e ataque cada vez mais produtivo são a certeza de que Muricy Ramalho tem o time nas mãos. O tricolor é a prova daquela máxima: técnico ganha e perde jogo. Por isso, não é exagero jogar a culpa neles quando um time vai mal, afinal, quando o trabalho é bem feito, os jogadores viram mais uma peça dentro da engrenagem da equipe. Por que então na Europa os técnicos não viram bodes-expiatórios?

É que lá eles estão submetidos a uma rigorosa e austera estrutura dentro dos clubes. São eles próprios parte da engrenagem, composta também por torcedores-sócios, diretores técnicos e jogadores com prazos de validade contratual decentes. No Brasil, falar nesse tipo de organização é cair numa utopia impensável até mesmo em terras são-paulinas. Então fica combinado que a promiscuidade beira-campo é inevitável, emblemática e educativa, como que a dar a medida da desorganização de nossa administração esportiva. Os técnicos recebem para arrumarem times e não dores-de-cabeça para dirigentes amadores de fala fácil. Pagam o pato pelos insucessos de um futebol efêmero.

Chega a soar irônico que uma das cidades com o futebol mais carente de organização da série A consagre o clube mais estruturado do país. Em um lugar onde a regularidade tricolor soa irritantemente sem-graça, fica o exemplo para que os cariocas recuperem a glória perdida em algum lugar do passado e que hoje passa à frente de suas janelas.