quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Paz inesquecível


A água cai forte, mas a chuva passa rapidamente. Já é madrugada e estou ilhado num posto de gasolina em frente ao meu canto predileto. Belo presente dos céus que, por não poder atravessar o pequeno barco de madeira para a ilha, tenha acabado encontrando três dos melhores amigos que fiz por lá.

Bastou que Uilson chegasse, se juntando a mim, Gui e Gi para que a chuva cessasse. Era um pedido de espera dos deuses para que voltássemos juntos em meu último dia num dos cantinhos mais gostosos de se morar no Rio de Janeiro.

Separada da Barra da Tijuca por apenas um canal e não mais do que 40 segundos, a Ilha da Gigóia foi meu recanto nos útlimos 18 meses. Desde que lá cheguei, encontrei novos amigos, resgatei valores, mas, acima de tudo, achei meu tesouro: uma casa pequena de dois andares suficiente para apaziguar um coração angustiado.

Foi único ter compartilhado momentos especiais numa vila de 12 casas geminadas repletas de olás, abraços, sorrisos e muita espontaneidade. Descomprimidos e desangustiados do ambiente urbanóide, nos permitimos ser crianças, jovens e adultos rebeldes. Tudo a um só tempo, sem vergonha nem preconceito.

Por lá não há polícia, porque também não há ladrões. Não é preciso correr, afinal tudo é logo ali. E, por serem não mais do que 4 mil num espaço tão pequeno, todos se tratam pelo nome, (quando não pelo apelido...), sentem a alegria e a tristeza alheias como parte da deles e fazem do comum um lema silencioso, mas ao mesmo tempo tão presente que os marca da lagoa para fora.

Por isso, quando volto meus olhares novamente ao Rio de Janeiro de verdade - aquele que sofreu com décadas de produção e consumo frenéticos - temo por ver que é necessário haver uma ilha para me fazer enxergar o que não percebo no automatismo cosmopolita: estou perdendo dias de vida a cada dia que passo numa existência hostil.

Lembro-me também de minha mãe, por quem tenho grande carinho. Ela me ensinou que solidão só vale a pena se rimar com reflexão e, ainda assim, não compensa
por nada desse mundo viver ilhado, aí sim, em conceitos imutáveis. Melhor é compartilhar, mesmo que isso valha se expor além do limite. Sou ingênuo sim, confesso. Perco na vida por isso. Mas não troco por nada as goleadas que a sinceridade e a transparência me têm proporcionado.

Margareth, de quem herdei o sobrenome Timoteo, meu olhar e meu sorriso por vezes escrachados me deu mais do que uma educação de mãe. Fez-me tornar humano antes de homem. Ao abrir mão de trabalhar em dois empregos para estar com os filhos, ao deixar de morar em um bairro central para dar qualidade de vida a eles numa vila um tanto quanto distante, lá pelas bandas de Maria Paula, em Niterói, acertava em cheio. Plantava e regava para colher em 10, 20 anos. Pecou por excesso? Talvez. Mas deve ter pensado que há coisas que a vida se encarrega de nos ensinar, como trocar lâmpadas ou trocar de casa, suportar o peso de sacos de cimento ou de julgamentos alheios, não saber lavar direito a louça ou a roupa suja de um relacionamento...

Mas de uma coisa não posso reclamar de minha mãe. Ela nos ensinou a compartilhar do banquete singelo dos sentimentos e da pureza. Por isso, no dia das mães, ela saberá que estou largando um dos lugares mais caros ao meu coração. Mas mamãe me ensinou também que somos responsáveis pelo que cativamos. Portanto, também tem consciência de que saio feliz, afinal o maior item de minha mudança não precisa ser transportado em caminhões ou barcos. Se não posso levar a ilha que vejo, tenho o prazer de carregar para sempre a ilha que sinto.