terça-feira, 18 de setembro de 2007

De La Paz a Shizuoka, a redenção do Deus que é brasileiro

Quando Owen, aquele inglês mirradinho com jeito de moleque brasileiro, avançou sozinho em direção ao gol de Marcos, me veio à cabeça um certa sensação de já vi essa cena antes em algum lugar e alguma época. Difícil àquele momento me recordar quando isso ocorrera, mas ainda que tentasse o esforço mental, a bola do garoto britânico acariciando cinicamente a rede brasileira tornaria essa tarefa inglória.

Vazio.


Durante uns quinze minutos, essa sensação carente de explicação – porque carente de si própria – se apossou de todos os brasileiros presentes de alguma forma à Shizuoka, província japonesa onde Brasil e Inglaterra travavam o mais esperado confronto da Copa nas quartas-de-final. Jogadores, torcedores, pessoas ligadas à partida apenas pelo afeto e umas centenas de milhares de cabos de fibra ótica, enfim, todos paralisados na contemplação dele: o vazio.


Vazio de idéias, vazio de futebol, vazio de tudo. O que se viu nos minutos que se seguiram ao feito trágico de Owen foi o desfile da inoperância e burocracia de um futebol tediosamente tático, objetivo, quase-perfeito. Onze homens pálidos de idéias como suas camisas e outros onze amarelos como a do uniforme que deixaram de usar em detrimento de um certo azul que pouco parecia inspirar.


E eu continuava no meu vazio de idéias, marcado no espaço por uma idéia vaga de uma falha irrecuperável de um certo zagueiro Lúcio, que se deixara abater pelo vazio alguns décimos de segundos antes que os demais e no tempo pelos minutos que simplesmente insistiam em passar. O estádio estava cheio. Cheio de gente, cheio do futebol que maltratava a grande dama do espetáculo: a bola. O campo estava vazio. As tribunas de honra estavam vazias, à espera de um simples aventureiro que soubesse tratar com carinho e afeto aquele objeto redondo cansado de apanhar. O estádio estava vazio.




O dentuço flertou a dama. Ela pediu: vem, me conduz; as mentes estão vazias, o campo está vazio; o gol está vazio. Assim ele, em ato de extremo cavalheirismo cortejou-a cuidadosamente pelo tapete verde que dava no altar de um certo Rivaldo, sujeito de pernas compridas e desengonçadas. E foi este quem gentilmente celebrou o casamento da bola com sua razão de ser: o gol.

Estava feita a justiça. O homem de preto emitiu o som do despertar. Tudo igual. Intervalo. Quinze minutos para a libertação do vazio, a volta à realidade.


Mal me dou conta do reinício do espetáculo. Dentro do quadrado colorido apenas uma esfera, um retângulo e alguns borrões: uma barreira e um sujeito cabeludo sob um poste. Nada que aquele dentuço, que antes conduzira sua dama ao altar, não pudesse agora sim efetivar com maestria e genialidade. A dama sai de seus pés, parece igualmente querer sair do palco. Quando todos se preparam para o fim melancólico do ato, eis que ela volta dissimuladamente em uma trajetória de rumo perfeito. O ângulo direito da meta de um atônito sujeito de nome Seaman. Justa e perfeita; perfeita e justa.


O goleiro inglês não quer acreditar no que vê e para mim tudo começa a fazer sentido. O gol de Ronaldinho é a chave que desvenda o mistério da falha de Lúcio e da cena que eu jurava ter visto antes.


La Paz, eliminatórias para a Copa. Último ato do que foi o maior martírio da história da seleção brasileira rumo a um mundial. Jamais havíamos sofrido tanto para jogarmos a maior competição do futebol internacional. Naquele três de novembro de 2001, uma escorregada de um certo zagueiro brasileiro prenunciou a tragédia de La Paz, que se consumaria com um segundo gol que iria morrer no ângulo direito do gol de Marcos. Dois a um. Perdíamos para a Bolívia. Em vão nossa moral, nossa história, nossa camisa. Precisaríamos derrotar a Venezuela na última partida ou não cruzaríamos a barreira do sol nascente. O placar de três a zero contra os venezuelanos não apenas acabaria por nos classificar à copa do oriente, como iniciaria a série invicta de partidas da seleção.

O brasileiro esteve sentido, magoado, ferido. Durante esses sete meses que separaram La Paz de Shizuoka viu seu posto de número um do mundo ruir, acreditou que podia menos. Deus seria mesmo brasileiro?

O dentuço esvoaça suas tranças. Abre um sorriso terrivelmente simpático e honesto: Ele, Ele é brasileiro sim. Como fazer aquela cobrança despretensiosa e sem rumo entrar? Como fazer a gravidade do planeta dobrar e sugar a bola para as redes com tamanha violência e decisão. Ele, ele, eles, o estádio, a torcida, nós. Todos acordam e ouvem a vós que pela primeira vez se ouve ecoar dos céus do oriente: os azuis reagiram; venceram; a competência é novamente brasileira; o bom futebol é novamente brasileiro; Deus, mais uma vez, é brasileiro.

***
Abaixo, os melhores momentos de Brasil 2 x 1 Inglaterra pelas semifinais da Copa do Mundo de 2002, com imagens da Rede Globo, narração de Galvão Bueno e comentários de Paulo Roberto Falcão, Walter Casagrande Jr. e Arnaldo César Coelho.


quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Paixões em Valência


Foi uma ligação simples, mas avassaladora.


Dois gênios. Ele, liberal, sempre à esquerda. Ela, reservada, mais à direita.

Num golpe do acaso, se viram atraídos em Valência. Moravam longe, mas nada que aquela ponte não resolvesse.

Aos poucos, perceberam que se completavam. Ele tinha a oferecer o que preenchia seu vazio existencial. E não tardou para encontrarem a química ideal: elétricos de tão radiantes!

Mas relação, sabe como é. Ele acha que o laço é forte, ela se faz de desentendida e, por tabela, começam a sentir falta de algo.

Ele, sempre confortável em sua pseudo-doação, mal percebe que ela precisa de algo mais.

A união começa a se desgastar e logo ele se dá conta: há um outro elemento na história!

Começam a discutir na ligação: "Quantas pontes atravessei para te ver? E, de mais a mais, nos completávamos em uma química sólida!"

"De mais a mais, vírgula", ela retrucou. "E tampouco podemos dizer que é uma relação sólida", desdenhou.

"Mas você me traiu com esse mau-elemento!", esbaforiu irritado.

"Igualzinho a você. Aliás, vocês H são todos iguais..."

"Aqui, Ó!"

A instabilidade atingiu em cheio o núcleo da relação e tudo já parecia ir por água abaixo. Impossível ficar neutro diante de tamanho constrangimento.

Aí lhe ocorreu a ideia de gênio...

"Vá. Abra, sua ingrata.."

"Vê lá o que vai ser essa caixa."

"Já disse que pode abrir..."

Incrédula, desfez o mistério. E qual não foi a surpresa...

"Um anel! Que lindo!"

Foi a chave para reatar a ligação. Ele prometeu-lhe uma vida mais estável e dedicada dali em diante. Na semana seguinte, foram ao padre que, benzeno o anel, proclamou:

"Sejam felizes para sempre!"

E a velha Valência ficou pequena para eles dois...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Por onde partem os corações


Tudo deveria estar bem, afinal fora uma decisão madura, consciente, segura.

Mas nem sempre as coisas funcionam na prática como se pensa. Ele continua muito, mas muito angustiado por tudo o que vem acontecendo. Não agüenta mais a escuridão, a clausura que se instalou de fora para dentro e de dentro para fora em sua nova casa.

Não agüenta ter de pensar que há um ano curtia sua esposa, com quem tinha uma casinha linda, com quintal para cuidar, comida para fazer, compras do mês, tanta coisa dessas simples, que passavam batidas mas que agora ele vê como fazem falta... Por isso, basta pensar um segundo. Basta olhar uma foto que seja de celular, ali, pequenininha, para as lágrimas caírem dos seus olhos ao perceber que deixou escapar por seus dedos um momento tão especial da sua vida.

Assim, nem forças encontra para manter um segundo relacionamento. Achou que tivesse tomado uma decisão segura de dar chance a alguém que o amasse, mesmo que ele próprio não correspondesse. E lá foi uma menina nova, coitada, pagar o pato dessa incapacidade dele de pensar em outra coisa que não tudo o que lhe escapou pelos dois rios que desceram e ainda descem dos seus olhos para desaguar na lagoa de um passado recente.

Não tem coragem de pensar como seria voltar. Não consegue sequer passar perto daquela ilha. Longe dali, sua vida se automatiza, ele pouco a pouco vira escravo de remédios novamente, sente sono demais, sai de menos, apenas faz canalizar energia para o trabalho, sua válvula desregulada de escape. E quantos não querem um trabalho... Mas ele não quer só trabalho. Não sabe se basta para ser feliz.
Está corroído porque ainda ama alguém que o ama mas não tem coragem de dizer a si própria que pode, deve e quer tomar uma decisão definitiva.

Ele faria tudo para ter de volta o sorriso sincero no rosto, a alegria de viver, fosse brigando daqui, discutindo dali, mas amando. E ele não sabe o que é amar desde quando ela virou as costas para ele e para a casinha dos dois. E se foi.


No fundo ele sabe que nem sempre as coisas correm como se quer.
Por isso, se limita a tocar a vida, mesmo sem ser tocado por ela. Segue um bom trabalhador, mas um ser humano ferido. Não foi só a casa, não foi só a companheira, não foi só a família. Foi um menino-homem de 23 anos que, do dia para a noite, descobriu que não podia mais jogar tênis, ir do Flamengo ao Leblon de bicicleta, jogar futebol aos domingos, correr no aterro, curtir a praia.

Tudo passou a ser doloroso desde 2004. Uma dor que não passa. No máximo, se alivia. Mesmo a esposa, que lhe jurou fidelidade, zelo e compaixão,
um dia ela se cansou. Como a antiga namorada se cansara. Como ele próprio vem se cansando. Afinal, por mais cativante, por mais amoroso e bacana que tente ser com o mundo, há um momento em que conviver diariamente com esses problemas se torna um fardo muito pesado a todos. Assim, vai deixando aos outros pegadas na areia de que ele não quer reagir diante das ondas da vida. Mas alguém faz idéia do esforço que é um simples caminhar na praia num dia de sol?

É sentir falta de ar, enjôo, tontura. Depois, ir ao médico para descobrir que apenas a pressão está um pouco alta. Mas, vá lá, deve ser ansiedade. Então, tome remédio para ansiedade, tome remédio para depressão. E vem o sono. E vai a vida. Para onde vai a vida? Não sabe.

De uns tempos pra cá, só sabe caminhar olhando para o chão e desviando dos obstáculos. Rogando a Deus proteção para que uma luz apareça, para que acorde desse pesadelo que começou em março de 2004, em sua primeira crise séria, e não sabe que dia vai terminar.

Por isso, ainda assim agradece a Deus por cada dia em que pode se levantar e celebrar a vitória da vida. E segue o rumo que seu coração descompassado lhe ordena.