quinta-feira, 27 de março de 2008

Estações da alma



Primavera. Deram-lhe um jardim de flores do campo para cuidar. Sem nunca ter sido jardineiro, aceitou a missão, embora soubesse que esse tipo de flor dispensava grandes cuidados para prosperar.

Mas tanta empolgação com a tarefa fez com que, dia após dia, lá fosse ele a regar a terra, retirar as plantas que murchavam, plantar novas sementes, de modo que, em poucos meses, o quinhão sob sua tutela chegava a brilhar de tanto amor.

Verão. Em um dia de muito calor, sentiu-se mal e resolveu descansar em vez de cuidar do jardim. Pensou que não devia fazer tanta diferença, afinal, estava tudo tão perfeito... um dia a mais, um dia a menos, que mal faria.

Acostumou-se com a idéia de nem sempre dar bom-dia às flores do campo. Dividia com a natureza a tarefa de regá-las, afinal, para que fazê-lo se logo viriam as chuvas? As plantas murchas, a brisa do fim-de-tarde se encarregaria de tirar. E as sementes, estas talvez nem fossem tão necessárias assim, pois que haveria insetos a transportar o pólen de um lado a outro.

Ocorreu-lhe que flores do campo sabiam se virar sozinhas, senão nem teriam esse nome. Não eram como as rosas ou violetas que, frágeis, necessitavam de cuidados diários de um jardineiro. Sem se dar conta, começou a tirar seu time de campo. E, em poucos meses, as flores ficaram órfãs de pai e passaram a depender apenas da mãe natureza.

Outono. A chuva, antes fina e constante, agora alagava o jardim abandonado. O vento, até então brisa suave, não raro soprava furiosamente ao fim da tarde, arrancando as flores pela raiz. De belo só o sol do dia seguinte e o céu limpo da manhã, a iludir o jardineiro sobre o bom encaminhamento de sua missão.

Inverno. Finalmente resolve dar bom-dia às flores. E sente o frio cortar sua alma. Em vez do brilho, do colorido habitual, encontra um punhado de terra devastada. Já desacostumado a semear, regar e podar, se vê imóvel diante do que se passa à frente de seus olhos. Na verdade, seus olhos só fazem derramar lágrimas de quem se lembrava do jardim florido e reluzente da primavera, trocado pela imagem de um inverno que acabou por congelar seus sentimentos.

Percebe que perdeu a amizade com o tempo. O tempo das horas e o tempo do clima. De qualquer forma, o tempo. E tem de reconstruir tudo. Mas não é primavera e nem ele sabe se é jardineiro. Agora só lhe cabe a certeza de que cuidar é mais preciso que contemplar.