quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A violência é um problema ecológico

'Ainda bem que não foi comigo' ou 'a culpa é deles'. Quantos de nós não reagem assim ao abrir mais uma manchete tingida de negro pela violência insana do futebol? Poderia ser na vida, dá no mesmo. O pior de tragédias como as de ontem na Itália não são as mortes físicas, nem as centenas de feridos. Duro é constatar que estamos matando a capacidade de nos indignar. Diante do absurdo, quando muito, resmungamos. Sim, porque não dá para qualificar de indignação a revolta sem ação. E novamente deixamos a vida seguir, o sino da Igreja dar as seis badaladas e o pássaro cantar.


A morte de um policial, após confrontos dentro e fora do estádio de Catânia, fecha as portas no armazém do futebol italiano. Mas que ninguém se iluda: a paralisação do campeonato é uma febre passageira, motivada mais pela incapacidade de discernirmos como, por que ou para onde nos mover do que por um arroubo de civilidade. Já já voltamos a vender e consumir pizzas, como apraz à digna racionalidade de nossa espécie.



Aliás, essa incapacidade de reagir à violência social é sintomática e revela o quão dissociados estamos da dimensão do outro como extensão de nós mesmos. Se não conseguimos ser exatamente indiferentes ao sofrimento alheio, elegemos a hipocrisia ou a conveniência. No primeiro caso, recorremos ao macro: o governo, a polícia, a mídia, as autoridades em geral são incompetentes para frear as mazelas humanas. Em um raciocínio oposto, buscamos na falência do homem a explicação para a derrota diária de nossa cidadania, como se disséssemos que falhamos por natureza e a humanidade é um erro.

Essas duas visões polarizadas nos impedem de reconhecer a mediação com o social - em outras palavras, o cosmo humano. Assim, passamos indiferentes por pequenas coisas, como o vizinho que joga papel no chão, o motorista de ônibus que não pára no ponto, o sujeito que deseja levar vantagem em tudo e até mesmo o bandido que acaba de furtar a pessoa ao nosso lado. Tudo aquilo que não nos afeta diretamente passa despercebido pelo crivo da nossa razão.

O grande desafio da espécie do século vinte e um não é simplesmente calar a boca de bandidos ou sucumbir à fatalidade ontológica. Após milênios de existência, nosso problema continua a ser ecológico. Por isso, convém aproveitar esses pequenos choques de civilização para cada um de nós se perguntar: o que temos feito para evitar que a violência aconteça? A resposta certamente não passa pelas tribunas verborrágicas, mas pela indigna-ação de tratar bem os que nos cercam.
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Abaixo, as cenas da agressão entre torcidas no jogo entre Catania e Palermo, que causou a morte de um policial italiano. As imagens são da emissora RAI, da Itália.