segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Dois traumas


Depois de buscar duas bolas difíceis que vieram em minha direção, resolvi me atirar ao encontro da terceira. A saída rápida nos pés do atacante foi corajosa, embora dolorosa. Dor que não senti no calor da partida. Até aquele momento, meus olhos, boca, nariz, ouvido e mãos estavam única e exclusivamente voltados para meu coração. Um movimento, várias batidas. Todas registradas. Mas, daquela vez, não me permiti o susto com o próprio corpo.


A chuva apertou e simplesmente abri os braços enquanto minha bomba-relógio tentava se rearmar. Neguei-a. Apenas fechei os olhos e abri a alma para uma cachoeira que caía sobre meu peito, tal qual no tempo em que meu órgão mais sagrado era simplesmente um coração. Tudo se asserenou. A partida fluiu, os músculos acusaram o tempo inativo e voltei a me sentir mais um. Quantas vezes não pedi a Deus por aquele momento? A saída escancarada. E como não pensei nela antes? Desarmar. Tão simples quanto pular na bola necessária e deixar sair a que não precisa de mim.

Cinco anos de angústia. Cárcere mental. Pensamentos demais, ações de menos. Cada passo se revestia de uma auto-significação que ultrapassava a simplicidade do momento. Tudo era complexo. E, em complexo, cheio de entradas e saídas. Vazado, retalhado; furado, remendado. Quanto esforço físico e mental em nome da coerência inconsciente. E bastava deixar fazer e passar... Passou.

Agora sim, começa um ano. Recomeça a vida. Acordo do pesadelo que parecia interminável com o corpo dolorido, mas cheio de vontade de movimentá-lo. Hora de simplificar, mexer apenas o necessário. Mas quanta coisa é necessária... Deixar fazer, deixar passar... Jogar com a vida. E me deixar ser jogado. Deixar que passe por entre os poros, corra pelas veias e atinja em cheio um coração apaziguado.

Fim de jogo. De trauma, apenas o de um dedo valente, enfaixado por um dia. Mas o que é esse perto do que acaba de se encerrar? Na memória, ficarão apenas as cicatrizes, a mostrarem que um dia a dor cura, a angústia passa e a felicidade acorda.