sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O tal do Marco


Natália surge com a questão super pertinente: "Onde está o Marco Teórico?". Mas que pergunta complicada, essa... Não vou passar horas dissertando sobre o tal sujeito (ou seria objeto?) porque periga eu acabar encontrando-o. Mas que essa criatura advinda do âmago de qualquer professor universitário existe, disso não tenho a menor dúvida.


Achar o Marco... Curioso porque, tirando o Marco Polo e o Nanini, todo mundo que conheço é Marcos, Marquinhos ou Marcão. Desconfio que na nossa brasilidade inculta jogamos o pobre do Marco para escanteio. Pensando bem, um escanteio qualificado e excêntrico.

Tem o Marco da Revolução Russa (Markov?), da Tomada da Bastilha (Jean Marc, talvez...), da Independência Americana (esse deve ser o Mark) e os Marcos possessivos do dia-a-dia: "Marco contigo e você nunca aparece". Deve ter se apaixonado cegamente por ele... 

Dizem que Jesus foi o Marco do Cristianismo. Peraí. Jesus foi Marco? E eu que jurava ser apenas João Batista o novo Elias ou vice-versa... Outros vaticinam: Fidel foi o Marco do comunismo em Cuba. Até tu, Fidel?

Quando quero me impor, demarco meu espaço. Olha o cara aí outra vez. Preciso pedir autorização ao Marco para extravasar meu eu-criativo, meu eu-lírico e todos os eus-raio-que-o-partam.

O problema é que, além de poliglota e onipresente, Marco é extremamente egocêntrico, logo malquisto. Marco com a noiva e a noiva não aparece: casamento desfeito. Marco no bar e você fura: no mínimo não vai com a cara do energúmeno (palavra feia, mas eu sei que a Natália vai gostar dela, então tá feita a homenagem). Marco às oito, você aparece às nove. Além de tudo, não tem a menor pontualidade - se bem que no Brasil isso nem é um grande defeito...

É, Natália, acho que vou te dever essa. Procurei e achei muitos marcos, mas o tal Marco Teórico talvez tenha me fugido em alguma esquina entre a subjetividade do não-pensamento à luz de Foucault e a ontologia psico-cognitiva de Freud. Isso te garanto que nem ele - Marco da psicanálise - explica!

sábado, 25 de outubro de 2008

Precisa-se


Havia um muro intransponível de palavras que ele erguia meticulosamente. Ali sobravam pontos, vírgulas e reticências que transbordavam para o nada. Perdiam-se sem significado que não o de belas palavras ao vento.


Ela queria mais. Palavras deviam tocar, seduzir, mexer com o coração de alguma forma. Procurava a ação, a química, quem sabe com boa dose de generosidade tão somente o olhar penetrante, a transformar sentimento em sensação, sensação em emoção... E daí para paixão seria um pequeno grande salto. 

Mas não havia sequer sensação. Diante das palavras que a ela sobravam, restava a ele o silêncio e a ação. Por onde começar a agir, se perguntava? Como se mover diante da paixão desperta que sequer encontra voz no peito alheio? 

Minguou. E fez adormecer um jardim lindo que brotava a exalar perfumes nunca antes experimentados. A vida que voltava, a luz que se acendia, a música que tocava. Nada disso precisava de motivo, sequer de existência. Bastava a força do amor que ele sentia. Deixou de bastar.

Curioso que tantos procurem amar e outros tantos recebam de presente o amor não-correspondido. Aí a magia das relações. Não fosse assim, o mundo inteiro se resumiria a um exército de robôs a dizer eu-te-amos, entregar uns aos outros flores de plástico, fazer de perfumes alfazemas passageiras, de luz feixe que se apaga e música apenas um punhado de sons. 

Ao ouvir não, ele se entristeceu. Em seguida, pediu a seu coração que se apacientasse. Nada como o tempo para ensinar os melhores caminhos, revelar os grandes amores e guardar as melhores experiências. Mesmo assim, ele a seguiu amando porque ainda não sabe como dizer não ao que tem de mais precioso: a luz de sua alma.

sábado, 4 de outubro de 2008

Almas que brilham


Almas que brilham escondem-se sob casacos de simplicidade. Brilham em síntese e antítese. Logo, ironia. Mas que ironia singela, doce e instigante que a do ser humano... A diferenciar os que marcam dos que apenas passam.


O que seus olhares escondem? Inteligência. E esse sorriso aberto? Franqueza. Ah, sim. Essa não se esconde. Mas bem que poderia ser exemplo. Antídoto contra a blasfêmia da hipocrisia nossa de cada dia.

Por isso é especial. Quem se faz diferente por dentro não precisa de casca de borracha nem sorriso de barbie. Se não entendo, me desespero. Ela se limita a rir desse desespero. Que não é só meu, porque na verdade ri de toda essa ironia palpitante em almas dissimuladas, esforçadas em ser um rascunho mal-acabado de si próprias. 

Ela é e ponto. Melhor, reticências. A dizer que a vida segue aberta como no curso de rios que se cruzam a todo instante. De perto, mar sem fim. De longe, fluxo de energia a irrigar de consciência uma multidão de robôs alienados por um mundo de faz-de-conta. Não deixa de ser cômico que sejamos esboços encharcados de orgulho ambulante. E seu único orgulho seja se  encharcar de si mesma.