quinta-feira, 29 de maio de 2008

Da arte de congelar o tempo

Teu sorriso tem a medida exata de dez anos.
Faz tua face reluzir e o tempo parar enquanto te calas.
Nele, carrega o enigma esfíngico de teu ser.
Flor que se arma qual escudo impenetrável: mas como é doce contemplá-lo...

As palavras que de tua boca saem não ferem. Podem ser altas, sussurrantes, raivosas ou errantes. Mas fluem numa sinceridade tão clara como o caráter que delas emana.

Parece que essa angelitude rebelde te absolve dos pecados mundanos e dos julgamentos alheios, porque, se entoas o cântico da fúria, teu olhar descansa em mar aberto e sereno.

Ah, teu olhar... honesto como tuas palavras.
Fiel como teus pensamentos renascentistas.
Cada sílaba desmente a anterior, porém unidas soam um concerto lírico, desconcertante e único.

Cada momento contigo é singelo. Teus gestos regem passado, presente e futuro.
E se a dor ameaça feri-la, lá está ele novamente:
O sorriso que nem o tempo pode deixar de reverenciar.
A nós, andarilhos de tua estrada infinda, resta desfrutá-lo e aplaudir em silêncio.

Como é bom reencontrar essa voz doce que deixa palavras noutro plano.
Esse ser mutante, instável e suavemente instigante.
Rico poder te reconhecer pela força do Verbo, que poucos têm compreendido
E por isso mesmo lançado dardos contra teu peito aberto.

Teu trabalho e tua causa redimem teus deslizes.
Te tornam grande, sensível e guerreira.
Apóstola do bem, oferta a teus semelhantes a alegria que proporcionas ao Criador,
Quando te vê defender implacavelmente o Amor, ainda que às custas da guerra,
Sob esse sorriso puro que te traz à Terra.

Segue-te, Ana, tá?
Teu desejo será sempre uma ordem para a natureza que por sua filha se encanta.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Referendo Interno

Sim, eu voto pelo desarmamento.

Desarmem-se as consciências dos preconceitos sem sentido, as famílias do falso moralismo, os conceitos engessados que se perderam no tempo, a sociedade dos pensamentos ocultos, as ofensas desumanas que não cabem dentro de cada um.

Eu voto pelo desarmamento da velha política, dos esquemas sujos que envergonham o país. Desarmem a corrupção e seus autores que nos enganam, matando nossos sonhos e assassinando ideais de um país mais justo.

Meu voto é pelo desarmamento das ruas e seus fuzis barulhentos que disparam ódio, filhos da pressa, irmãos do stress, netos de um despotismo nada esclarecido.

Desarmem-se as bandeiras que sangram de ira, as línguas que destilam inveja, os corações que pulsam mágoa. Desarmem quem insiste em abrir as veias de nossa nação, os que se fartam da falsa riqueza e da pretensa nobreza. Atear fogo no lixo da sociedade? Atirar pedras nos que já cambaleiam?

Voto pelo desarmamento dos casais. Deponham os revólveres do ciúme, as pistolas da vingança, as carabinas do rancor. Sejam suas munições beijos; os tiros, afagos; a arma, o perdão. Calibre? O amor e suas balas que penetram sem perfurar.

Desarme-se a continuidade das cruzadas, basta de novos gladiadores, chega de fogueiras e caça às bruxas. Desarmem as fantasias de super-heróis, os bandidos que só são bandidos e os mocinhos que só são mocinhos.

Meu voto é pelo desarmamento do medo, da paralisia que impregna as cidades, da desconfiança perante o desconhecido. Quantas vezes não fabricamos armas e as entregamos de bandeja nas mãos do algoz, ainda que sejam eles nós mesmos...

Eu voto sim para a franqueza, não para a hipocrisia; sim pelos direitos que sabemos impor, não pelos deveres que aceitamos adquirir.

Meu voto é duplo, jamais nulo. Sim e não. Nascimento e morte. Respeito e reverência às naturezas. A minha, a tua, a dele, a nossa, a vossa, a deles.

Ah, se me fosse lícito o voto multicor... cheio de opções pra escolher algumas, pleno de flores para abastecer minha roleta russa. E poderia distribuir tiros de bom dia, como vai, precisa de ajuda?

Sim, te ajudaria. Não, não cobraria. Apenas faria atirar pro alto rojões de felicidade sempre que a sentisse perfurar nossas almas enquanto te ofereceria deliciosas bombas de chocolate pra agradar teu dia. E se meu peito explodisse de raiva ou ruísse de tristeza, fecharia os olhos
e contaria até dez, cem, mil. O quanto fosse preciso pra me desarmar e seguir de alma lavada.

Bom seria crescer e ver bolas de tênis não mais reféns de pés escaldados pelo asfalto da metrópole. E as armas voltando a ser lápis, cadernos, livros e corações desarmados; bocas sorridentes e olhares sinceros engatilhados tão somente pra disparar felicidade aos quatro
ventos...

Ainda não podemos votar por isso. Esse referendo passa ao largo de nossa pretensa genialidade.

domingo, 18 de maio de 2008

Cantigas de ninar I

Versos que encantam pela sonoridade, por adormecerem nossos corpos ainda na primeira idade, mas que entram e saem por nossos ouvidos como as brisas que assopram nosso dia a dia. Por onde andam nossas cantigas de ninar?

Pouco ou raramente temos a chance na vida de refletir sobre aquele punhado de palavras ditas por nossos pais, tios ou avós. E perceber sua sabedoria ímpar, ora imersa em códigos que passam inocentes por nossos sentidos, ora bem ali em nossa frente, porém guardada num passado que não acessamos mais.

Talvez por nos ocuparamos com tantos pequenos porquês de nosso mundo sério de gente grande, cantigas virem poeira, como as que cercam os livros de infância que ano após ano jogamos fora em nossas arrumações domésticas.

Uma pena que tão cedo esses legados despretensiosos tenham sido substituídos por fórmulas e teoremas nas salas de aula da vida, omitindo-nos a contribuição de nossa cultura e de quem mais deseja o nosso bem-estar.

Hoje acordei com uma dessas músicas na cabeça. Muitos devem lembrar-se dela.

"Se essa rua, se essa rua fosse minha... eu mandava, eu mandava ladrilhar... Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante... só pra ver, só pra ver meu bem passar. Nessa rua, nessa rua tem um bosque... que se chama, que se chama solidão... Dentro dele, dentro dele mora um anjo... que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei teu coração... tu roubaste, tu roubaste o meu também... Se eu roubei, se eu roubei teu coração... foi porque, só porque te quero bem".

Quanta coisa singela e ao mesmo tempo necessária... quantas previsões... Nas ruas que são nossas teríamos aprendido sobre limites, atalhos, responsabilidades e o cultivar para cativar. No bosque dos anjos ladrões, saberíamos que inveja, ciúme e insegurança andam lado a lado. Que possuir não é ter verdadeiramente. E, finalmente, que estar com não basta para duas almas serem irmãs e libertas.

Ainda assim, rumamos por estradas tortas, enladrilhadas de cacos mal-juntados de experiências. Não importa o quanto erramos, mas em quantas dessas vezes o fazemos com vontade de acertar.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

De volta a Marte


No vazio do não, a razão pediu ao coração que sentisse paixão
Doce ilusão...
Paixão não existe onde pulsa recordação
Nobre tempo, senhor da vida, pai da perfeição

Quem diria, o perdão?
A transformar fel em mel, pedra em algodão
Mágoa em permissão
A fazer o sorriso emergir da sombra hostil de palavras vãs
Para espalhar luz de volta a almas irmãs

Quem diria, a comunhão?
A resgatar risadas puras e abraços abertos
Lágrimas de olhares sinceros
Carinhos de amantes confessos
E lembranças que de alegria transbordam em versos

Bem-vindos de volta os de Marte
Planeta vermelho, antes distante, agora tão perto
Que em minha esquina não é mais deserto
E em meu futuro faz juras de amor eterno