quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Noite de Gala


Ontem foi noite de gala no Bar e Sinuca Bola de Cristal. Há dois meses, ponto de encontro dos amigos após o trabalho na redação do Sportv. Noite especial com a presença de Chafi, Clóvis, Gustavo e Thiago, amigos da rotina que me acompanharam na celebração de mais um dia de vida.


Entre uma tacada e outra, me lembro de outras noites de gala. Há um ano, eram nos bancos de madeira e nas vielas de terra da Ilha da Gigóia, na companhia de chinelos, shorts, camisetas e sorrisos. Passávamos duas, três horas sem que o tempo nos lembrasse de que a vida é curta, os afazeres nos esperam e temos de ser sempre bonitos, perfeitos e eficazes. A noite de ontem foi assim, despretensiosa com o tempo e as aparências. Por isso, foi de gala.


Como há um ano e meio, quando troquei palavras com atletas olímpicos e paraolímpicos na arena esportiva mais moderna do país, que me deu na verdade tantas outras manhãs, tardes e noites de gala. Não com eles, mas com Breiller, Carolina, Fábio, Maria Carol e Rodrigo. Outros cinco com quem tive oportunidade de trabalhar. Voluntários do Pan. Não recebiam um centavo para estar lá. Eu é que devia pagar por cada dia de aprendizado e ensinamento, pelas trocas entre amigos que foram parar na porta de casa meses depois dos Jogos. Sinceramente, não me lembro muito de quem saltou, arremessou, pulou, caiu, levantou, a não ser por Cristina Galarza, de quem já tratei neste blog.


Há 27 anos, minhas noites de gala têm sido acordar com a generosidade e o amor incondicional de minha mãe, os conselhos e a serenidade de meu pai, o carinho dos meus irmãos Gabriel, Gabriela, Isabella e Juninho, meus meios-pais Angela e Marcelo. Sem contar os amigos que vêm e que vão. Alguns ficam, como Felipe. Outros vão mas de certo modo também ficam, como Andreia, Marcinha, Ana, Breiller, Carolina, Fábio, Maria Carol e Rodrigo. Uilson, Marcelo, Anderson, Sheila, Márcia, Gi, Carol, Nina e Gui. Olha só! Dá pra montar um time com reservas e tudo...


Esses são meus maiores presentes. Com eles, todas as noites são de gala. Como ontem, de chinelo no pé, taco na mão, alegria nos olhos e sorrisos pra comprar de graça e dar de brinde. Obrigado a todos! E a Deus, acima de tudo, pelo dom da vida.

sábado, 29 de novembro de 2008

As traves que me sustentam


O aniversário foi do Clóvis, grande amigo das jornadas noturnas no Sportv. Mas houve mais de um presenteado na tarde de hoje, 29 de novembro de 2008.


Foi difícil superar a insegurança, mas após três anos voltei a vestir a capa de vilão e super-herói do camisa 1. Não, não foi um jogo oficial, sequer daquelas peladas com times de coletes. Foi um rachão, um seis pra cá-seis pra lá sem juiz nem compromisso com o placar. Mas como me senti feliz em voltar para a portaria. Sim, porque o gol nada mais é do que uma porta. Não por acaso, os espanhóis chamam o goleiro de portero. Ele frustra as expectativas mais certas dos atacantes e arruina sua própria reputação em questão de segundos. 

Atrás do goleiro, apenas as redes. Não há falha perdoável. Só que neste sábado, até para ser goleiro era preciso encarar o desafio de saltar, cair e me levantar. Sabia que nenhuma defesa mirabolante ou saída arrojada se tornariam mais preciosas do que simplesmente tentar alcançar as bolas. Mero pretexto para voltar à vida. Como diz a Enciclopédia Nilton Santos, maior lateral-esquerdo que o futebol já viu, minha bola é minha vida. 

Também não sou dos que jogam o futebol como se pusessem em xeque a existência a cada dividida. Mas, curiosamente, a sensação que me tocou hoje foi essa. Por outros motivos, claro. Ao longo da vida, sempre sob um travessão e na companhia de dois postes, aprendi a transformar a superfície da pequena área no meu latifúndio. Plantava abraços e colhia amizades; semeava defesas e desfrutava dos momentos de alegria.

Por isso, hoje foi um sábado especial. Daqueles para ficar marcados para sempre. Não me detive mais do que trinta minutos no jogo. Mas era como se, nesse tempo tão breve, todo o mal, insegurança e medo de nunca mais conseguir, tudo isso fosse expurgado em cada vôo cego em busca da bola.

No aniversário do meu amigo Clóvis, agradeço a Deus, à minha família, a quem cuidou e cuida de mim com tanto carinho e aos amigos do Sportv por também ter recebido um presente único. Trinta minutos que valeram três anos de espera e despertaram sonhos latentes de salvador das metas. Agora as metas parecem mais tangíveis. Como as traves que hoje me sustentaram.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Vagar


Seu olhar cansado aponta para o nada. Sentada na cadeira de balanço de frente para a pequena televisão, contempla o vazio, no fundo a extensão de sua alma.


Já não se lembra de um minuto atrás. Uma hora que seja de recordações lhe parece fatigante. No máximo, alguns sussurros e fagulhas de memória. Sincroniza seu cotovelo esquerdo com um dos braços do assento mas seus olhos seguem imóveis. Sua pele lívida não deixa dúvidas: por dentro, o tempo parou. Por fora, passou.

Espera resignada o momento de sua partida, após quase 80 anos de vida, ao menos 70 deles de plena consciência, disposição, utilidade para si própria e para o mundo que a cerca. Agora, só faz carregar um certo sopro de tristeza. Não parece fazer diferença se acorda ou dorme, se é noite ou dia, claro ou escuro. Dentro ou fora.

Por isso, começa a trocar as horas. O tempo, antes companheiro fiel de sua lucidez, pára. E não importa que ela recline neste momento a cabeça para o seu lado direito, a procurar os ponteiros do relógio. Não sabe o que marcam. Apenas se limita a contemplar o vazio e dizer: "Está escuro lá fora". E aqui dentro também, faltou completar.

A culpa me contamina quando deixo escapar segundos preciosos de um fim que poderia ter mais alegria, conforto, auto-confiança, tudo o que aquele corpo ainda fosse capaz de sustentar. Se perdera o brilho, permanecia com movimentos potencialmente intactos. Impossível não voltar a três meses atrás, quando, mesmo aparentando fraqueza e debilidade, ela bailou por breves segundos o orgulho das lembranças de sua terra. Tão distante daqui e tão perto de sua mente fugaz. Quanto tempo faz? Para ela, não fez. Pois que derrubou quatro, cinco décadas com o bailar singelo de uma moça feliz a curtir seu primeiro salão.

De volta à realidade, procura motivo, movimento, continuidade. E isso posso oferecer. De fora pra dentro, como que se agradecesse e reverenciasse quem um dia teve tanta ou mais vitalidade que eu.

Por isso vou dormir mais triste. Nossa tristeza é separada por cinqüenta anos e alguns segundos a mais de reflexos e reflexões. Uma dor que nem ela se dá conta. Lucidez e dignidade. Se pudesse ofertá-los a ela, poria a cabeça no travesseiro com a certeza de que o domingo não teria sido em vão. 

Vai passar. Não importa como, mas vai.

sábado, 15 de novembro de 2008

O príncipe plebeu


Príncipe encantado num cavalo branco. Tudo com o que ela sonhou durante anos. Mas o que a encantou nessa história?


O príncipe é o início de tudo. Princípio, começo. De certo modo, também a continuidade de uma linha de pureza. O príncipe é filho da realeza, não sofreu mácula nem misturou seu sangue - ou sua alma - com sentimentos plebeus.

Caminha com segurança, impõe respeito e beleza. Montado num cavalo branco, igualmente belo e puro, ganha em agilidade e destreza. Desafia o tempo cavalgando por campos de incertezas, mas sabe que, herdeiro da coroa e, a bordo da melhor montaria, chegará são e salvo ao coração da donzela.

Que se alimenta do retorno do príncipe. Ou do sonho de conhecê-lo pela primeira vez. Na verdade, reconhecê-lo, como se já fossem preparados um para o outro, como se antes mesmo de a vida e as circunstâncias interporem seus destinos, fatalmente se encontrasem na razão mútua de existirem. A donzela não caminha senão por sonhos doces e searas límpidas. Apenas cobra que, no fim, o príncipe confirme na beleza de sua face e na alvez de seu cavalo o caminho tenro e suave que ela sempre projetou.

A grande questão não é o príncipe nem o cavalo, mas o quão "encantados" eles são, justo porque encanto é primo de feitiço. Um príncipe encantado está inevitavalmente fora de seu estado natural. Só existe em aparência até que algo ou alguém o desencante. E se for desencantado perde a graça, desanda o enredo, decepciona a pobre da donzela, que se desmancha em lágrimas. Ela nem desconfia, mas no fundo o príncipe encantado é um jogo de espelhos que reflete sua beleza e projeta seus vazios.

E como evitar o círculo vicioso? Se ela se fecha, perde contato com um universo igualmente lindo, porém mais aventureiro e perigoso. Se abre as portas do coração à realidade e abandona a idéia do príncipe, pode antecipar o sofrimento e, quem sabe, até descobrir não um príncipe, mas vários homens generosos, educados, como que meios-príncipes. Mas vai inevitavelmente sofrer. Se dará conta de que precisa completar o quebra-cabeças, juntar as peças. De repente a união é uma soma de complementos. Ele tem o que falta em mim e eu tenho o que falta nele. Nada principesco, não? 

Sem viver por ilusões e encantos, ela não deixará de cair do cavalo muitas vezes. Mas, quanto menos se cobrar o príncipe, mais força terá para tomar as rédeas do cavalo. Que, vá lá, pode nem ser tão branco, forte e veloz. Mas certamente domável. E sempre que se levantar e olhar para as cicatrizes em seu corpo, toda vez que sentir seu coração doer um pouco, terá a certeza de que aprendeu um pouco mais sobre o amor. Não se enredará tão facilmente em sonhos ingênuos ou expectativas eternas, por mais belos e tentadores que pareçam. Mesmo sem saber, estará alguns passos mais próxima da felicidade, afinal, nossa razão mais nobre de existir é tão em carne e osso quanto o sorriso ingênuo de um bebê.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Neologismo de posição


Massa demais essa corrida em Interlagos. De cara, David encerra sua longa carreira de forma Coulthard: encontrando um Piquete no S do Senna. Enquanto isso Felipe guia seu deus-nos-acuda vermelho procurando apostar em algo mais que o chove-não-molha das previsões óbvias.


A saída pela tangente é acelerar. Mas como dar zebra, se num Vettel repentino seus cavalos rampantes não despejam potência no Lago? Iria o Sol brilhar para nosso bravo aventureiro ou lhe sobraria o bagaço do Laranja? O problema é que expurgar seu sentimento de Kubica pelos retões curvos de Interlagos não era o bastante. Porque lá pelo meio, Hamilton seguia um estilo Sutil de pilotagem, que, diga-se de ultrapassagem, o faria campeão mundial.

Tudo conspira para a meticulosidade circunstancial do inglês até que alguns Glocks de chuva dão o ar da graça no asfalto secamente britânico. Nada de previsão, seus engenheiros! Qualquer cidadão mortal sabe que finados chove ano sim, ano também. A questão era quando, como e onde. É só olhar pra torcida brasileira. Ela Takuma vontade tão grande que a chuva estrague a corrida do bom moço da ilha da Rainha... e brasileiro quando se junta pra bater tambor, não tem santo que segure.

De enfadonha, a corrida começa a parecer aqueles Bourdais de cidade pequena. Sacode pra cá, segura dali, como o Fisico desses pilotos aguenta? E a cabeça do inglês está um Trulli só, repetindo aquele verso de Flor de Lewis: "eu sei que o erro aconteceu, mas não sei o que fez tudo mudar de vez... onde foi que eu errei?". E por aí vai. Melhor, quase não vai, porque na Junção dos fatos, cada volta derrapante começa a lembrar uma luta de Boxes. Massa resiste bem à pressão da última delas, ao contrário do inseguro Hamilton, que se confunde entre Raikkonens e Kovalainens, como se tomara um porre de Kazuki.

Sorte dele que, enquanto pingos caem e bolsas despencam, a torcida sobe e Felipe voa, falta Timo ao pelotão que o separa do líder. Assim, um piloto de quinta colocação, que sequer subiria ao pódio, se vê consagrado. Campeão por um Nico assim, ó. Um pontinho. Fazer o quê? Ano que vem tem mais. E que de mangueira a gente só ouça falar em fevereiro ou num canto do banheiro!

domingo, 2 de novembro de 2008

A morte nossa de cada dia


Dia de finados costuma ser cinzento por dentro e por fora. Sutilmente, na dor que insistimos cultivar pelos que se foram, perdemos a chance de encarar a morte como fenômeno natural e cotidiano.


Não apenas porque algo ou alguém morre a cada instante. Há pequenas mortes, na realidade fins de ciclos que abrem brechas para transformações importantes em nossa vida.

O nascimento é a primeira grande morte de qualquer ser. Vir ao mundo é, por si só, um processo igualmente traumático para quem concebe e é concebido. Na ruptura de uma gestação, a morte do desejo e das expectativas dos pais; na saída da zona de conforto do bebê, a agonia inconsciente do pranto pós-morte.

A emoção de vencer na vida - independentemente da potência e da dimensão dessa vitória - é também uma morte. Seja calculada ou inesperada, racional ou intuitiva, a sensação de êxtase que nos invade nesses momentos mágicos e esporádicos de existência se assemelha a uma espécie de "orgasmo espiritual" (não por acaso o orgasmo é chamado pelos franceses de petite-mort, algo como "pequena morte").  Saímos de um estágio inerte (que pode muito bem ser um movimento contínuo, para os físicos uniforme) para sacudir a poeira e, finalmente, despertar. Por isso, costumamos chorar. O choro é dessas expressões como o riso e os espasmos musculares do orgasmo inexplicáveis. Apenas reconhecemos nelas um pouco da beleza de ser e viver.

Despertar e morrer são duas faces de uma mesma questão. Quem desperta de um transe - voluntário ou não - faz contato com sua parte essencial, a integridade existencial invariavlemente corrompida e contaminada por idéias fixas, pensamentos ansiosos e falsos quereres. E não há como se estabelecer vínculo com algo tão profundo sem o contato com a morte.

A sociedade do século XXI nos enche de razões e elementos para viver sem morrer. Mas viver sem morrer é passar pela vida sem que a vida passe por nós, quer dizer, apreciar as experiências sem vivê-las ou vivê-las de forma tão transbordante, tão maximizada que engasgamos em nossa própria superficialidade. Ou então damos a nossa alma satisfação de sua profundidade por meio de ilusões como paixões passageiras e aventuras fugazes.

O dia de finados não deveria nos conduzir à tristeza pelo que perdemos, mas a uma reflexão única sobre o quanto temos crescido com as pequenas e grandes mortes. Sempre que morremos ou sofremos a morte de outro como nossa saímos mais fortes, energizados. Enfim, verdadeiramente estamos prontos a viver a plenitude.  


sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O tal do Marco


Natália surge com a questão super pertinente: "Onde está o Marco Teórico?". Mas que pergunta complicada, essa... Não vou passar horas dissertando sobre o tal sujeito (ou seria objeto?) porque periga eu acabar encontrando-o. Mas que essa criatura advinda do âmago de qualquer professor universitário existe, disso não tenho a menor dúvida.


Achar o Marco... Curioso porque, tirando o Marco Polo e o Nanini, todo mundo que conheço é Marcos, Marquinhos ou Marcão. Desconfio que na nossa brasilidade inculta jogamos o pobre do Marco para escanteio. Pensando bem, um escanteio qualificado e excêntrico.

Tem o Marco da Revolução Russa (Markov?), da Tomada da Bastilha (Jean Marc, talvez...), da Independência Americana (esse deve ser o Mark) e os Marcos possessivos do dia-a-dia: "Marco contigo e você nunca aparece". Deve ter se apaixonado cegamente por ele... 

Dizem que Jesus foi o Marco do Cristianismo. Peraí. Jesus foi Marco? E eu que jurava ser apenas João Batista o novo Elias ou vice-versa... Outros vaticinam: Fidel foi o Marco do comunismo em Cuba. Até tu, Fidel?

Quando quero me impor, demarco meu espaço. Olha o cara aí outra vez. Preciso pedir autorização ao Marco para extravasar meu eu-criativo, meu eu-lírico e todos os eus-raio-que-o-partam.

O problema é que, além de poliglota e onipresente, Marco é extremamente egocêntrico, logo malquisto. Marco com a noiva e a noiva não aparece: casamento desfeito. Marco no bar e você fura: no mínimo não vai com a cara do energúmeno (palavra feia, mas eu sei que a Natália vai gostar dela, então tá feita a homenagem). Marco às oito, você aparece às nove. Além de tudo, não tem a menor pontualidade - se bem que no Brasil isso nem é um grande defeito...

É, Natália, acho que vou te dever essa. Procurei e achei muitos marcos, mas o tal Marco Teórico talvez tenha me fugido em alguma esquina entre a subjetividade do não-pensamento à luz de Foucault e a ontologia psico-cognitiva de Freud. Isso te garanto que nem ele - Marco da psicanálise - explica!

sábado, 25 de outubro de 2008

Precisa-se


Havia um muro intransponível de palavras que ele erguia meticulosamente. Ali sobravam pontos, vírgulas e reticências que transbordavam para o nada. Perdiam-se sem significado que não o de belas palavras ao vento.


Ela queria mais. Palavras deviam tocar, seduzir, mexer com o coração de alguma forma. Procurava a ação, a química, quem sabe com boa dose de generosidade tão somente o olhar penetrante, a transformar sentimento em sensação, sensação em emoção... E daí para paixão seria um pequeno grande salto. 

Mas não havia sequer sensação. Diante das palavras que a ela sobravam, restava a ele o silêncio e a ação. Por onde começar a agir, se perguntava? Como se mover diante da paixão desperta que sequer encontra voz no peito alheio? 

Minguou. E fez adormecer um jardim lindo que brotava a exalar perfumes nunca antes experimentados. A vida que voltava, a luz que se acendia, a música que tocava. Nada disso precisava de motivo, sequer de existência. Bastava a força do amor que ele sentia. Deixou de bastar.

Curioso que tantos procurem amar e outros tantos recebam de presente o amor não-correspondido. Aí a magia das relações. Não fosse assim, o mundo inteiro se resumiria a um exército de robôs a dizer eu-te-amos, entregar uns aos outros flores de plástico, fazer de perfumes alfazemas passageiras, de luz feixe que se apaga e música apenas um punhado de sons. 

Ao ouvir não, ele se entristeceu. Em seguida, pediu a seu coração que se apacientasse. Nada como o tempo para ensinar os melhores caminhos, revelar os grandes amores e guardar as melhores experiências. Mesmo assim, ele a seguiu amando porque ainda não sabe como dizer não ao que tem de mais precioso: a luz de sua alma.

sábado, 4 de outubro de 2008

Almas que brilham


Almas que brilham escondem-se sob casacos de simplicidade. Brilham em síntese e antítese. Logo, ironia. Mas que ironia singela, doce e instigante que a do ser humano... A diferenciar os que marcam dos que apenas passam.


O que seus olhares escondem? Inteligência. E esse sorriso aberto? Franqueza. Ah, sim. Essa não se esconde. Mas bem que poderia ser exemplo. Antídoto contra a blasfêmia da hipocrisia nossa de cada dia.

Por isso é especial. Quem se faz diferente por dentro não precisa de casca de borracha nem sorriso de barbie. Se não entendo, me desespero. Ela se limita a rir desse desespero. Que não é só meu, porque na verdade ri de toda essa ironia palpitante em almas dissimuladas, esforçadas em ser um rascunho mal-acabado de si próprias. 

Ela é e ponto. Melhor, reticências. A dizer que a vida segue aberta como no curso de rios que se cruzam a todo instante. De perto, mar sem fim. De longe, fluxo de energia a irrigar de consciência uma multidão de robôs alienados por um mundo de faz-de-conta. Não deixa de ser cômico que sejamos esboços encharcados de orgulho ambulante. E seu único orgulho seja se  encharcar de si mesma.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Paz inesquecível


A água cai forte, mas a chuva passa rapidamente. Já é madrugada e estou ilhado num posto de gasolina em frente ao meu canto predileto. Belo presente dos céus que, por não poder atravessar o pequeno barco de madeira para a ilha, tenha acabado encontrando três dos melhores amigos que fiz por lá.

Bastou que Uilson chegasse, se juntando a mim, Gui e Gi para que a chuva cessasse. Era um pedido de espera dos deuses para que voltássemos juntos em meu último dia num dos cantinhos mais gostosos de se morar no Rio de Janeiro.

Separada da Barra da Tijuca por apenas um canal e não mais do que 40 segundos, a Ilha da Gigóia foi meu recanto nos útlimos 18 meses. Desde que lá cheguei, encontrei novos amigos, resgatei valores, mas, acima de tudo, achei meu tesouro: uma casa pequena de dois andares suficiente para apaziguar um coração angustiado.

Foi único ter compartilhado momentos especiais numa vila de 12 casas geminadas repletas de olás, abraços, sorrisos e muita espontaneidade. Descomprimidos e desangustiados do ambiente urbanóide, nos permitimos ser crianças, jovens e adultos rebeldes. Tudo a um só tempo, sem vergonha nem preconceito.

Por lá não há polícia, porque também não há ladrões. Não é preciso correr, afinal tudo é logo ali. E, por serem não mais do que 4 mil num espaço tão pequeno, todos se tratam pelo nome, (quando não pelo apelido...), sentem a alegria e a tristeza alheias como parte da deles e fazem do comum um lema silencioso, mas ao mesmo tempo tão presente que os marca da lagoa para fora.

Por isso, quando volto meus olhares novamente ao Rio de Janeiro de verdade - aquele que sofreu com décadas de produção e consumo frenéticos - temo por ver que é necessário haver uma ilha para me fazer enxergar o que não percebo no automatismo cosmopolita: estou perdendo dias de vida a cada dia que passo numa existência hostil.

Lembro-me também de minha mãe, por quem tenho grande carinho. Ela me ensinou que solidão só vale a pena se rimar com reflexão e, ainda assim, não compensa
por nada desse mundo viver ilhado, aí sim, em conceitos imutáveis. Melhor é compartilhar, mesmo que isso valha se expor além do limite. Sou ingênuo sim, confesso. Perco na vida por isso. Mas não troco por nada as goleadas que a sinceridade e a transparência me têm proporcionado.

Margareth, de quem herdei o sobrenome Timoteo, meu olhar e meu sorriso por vezes escrachados me deu mais do que uma educação de mãe. Fez-me tornar humano antes de homem. Ao abrir mão de trabalhar em dois empregos para estar com os filhos, ao deixar de morar em um bairro central para dar qualidade de vida a eles numa vila um tanto quanto distante, lá pelas bandas de Maria Paula, em Niterói, acertava em cheio. Plantava e regava para colher em 10, 20 anos. Pecou por excesso? Talvez. Mas deve ter pensado que há coisas que a vida se encarrega de nos ensinar, como trocar lâmpadas ou trocar de casa, suportar o peso de sacos de cimento ou de julgamentos alheios, não saber lavar direito a louça ou a roupa suja de um relacionamento...

Mas de uma coisa não posso reclamar de minha mãe. Ela nos ensinou a compartilhar do banquete singelo dos sentimentos e da pureza. Por isso, no dia das mães, ela saberá que estou largando um dos lugares mais caros ao meu coração. Mas mamãe me ensinou também que somos responsáveis pelo que cativamos. Portanto, também tem consciência de que saio feliz, afinal o maior item de minha mudança não precisa ser transportado em caminhões ou barcos. Se não posso levar a ilha que vejo, tenho o prazer de carregar para sempre a ilha que sinto.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Tabelas do destino


Mais rápido, mais alto, mais forte. Tudo que soou hiperbólico foi exaustivamente estampado em nossas TVs, afinal os Jogos Olímpicos são a nata da excelência esportiva, embora com alguns casos de superação que valem mais do que medalhas.

Cristina Galarza foge radicalmente dos padrões de estética e performance que esperamos de nossos heróis esportivos. Fui apresentado à jogadora de basquete há um ano, na zona mista da Arena Multiuso do Pan. Como repórter oficial dos Jogos, tinha a obrigação de colher frases das principais jogadoras de cada equipe. Naquele dia, havia sido Galarza.

Deveria perguntá-la sobre percentual de arremessos, movimentação em quadra e obviamente os seis pontos marcados na derrota por larga margem. A Argentina era uma equipe esforçada, muito aquém do time masculino campeão mundial. Antes de nos dizer a primeira sílaba, Cristina estendeu-me a mão. Retribuí o gesto com certo constrangimento. Estavam negras de tanto haverem tocado as rodas de sua cadeira. Ela abriu um largo sorriso e começou a responder às perguntas.

"O que dizer após uma derrota como essa?", propus

"Que devemos continuar lutando. Estar aqui já é uma vitória."

Logo percebi que tratar de arremessos, roubadas de bola e rebotes era desperdiçar a Cristina que havia por trás da Galarza. Entre uma resposta e outra, vi que nada daquilo era especialmente importante para aquela senhora de 46 anos encharcada de suor e com as mãos calejadas.

"Não tínhamos equipe formada desde o Pan de 95, em Mar del Plata. Não há clubes, então jogamos contra homens na Argentina. Foram eles que nos deram força para formar uma equipe e vir ao Rio. Mas sabíamos que não teríamos muitas chances. Viemos apenas pelo prazer de defender nosso país e realmente por falta de opções."

Esportivamente, a equipe de basquetebol em cadeira de rodas da Argentina não era minimamente competitiva. Perderia para qualquer equipe paraolímpica que se montasse no Brasil. A mais jovem do time não tinha menos de 30 anos e a mais velha já havia completado 56.

"Jogo basquetebol por puro prazer. Estava me profissionalizando na Argentina quando, repentinamente, comecei a sentir dores no joelho esquerdo. Isso aos 18 anos. Fui fazer exames de rotina e diagnosticaram câncer. Um tipo tão raro e destrutivo que me obrigou a arrancar
subitamente parte da perna, sob pena de ver a doença se alastrar."

Sabia que não publicaria uma linha sequer no Serviço de Notícias dos Jogos, um serviço que se resumia a contar como haviam sido as partidas acrescido de declarações rápidas dos atletas. Mesmo assim, não conseguíamos nos desvencilhar, separados pela grade de um metro que distinguia Cristina do jornalista e sua equipe de voluntários.

"No início foi mais difícil, mas me perguntei: vou me entregar? Vou deixar de fazer o que mais amo? Deixar de jogar basquetebol? Deixar de ser mãe? Sim, sou mãe de três filhos, todos concebidos após a doença. Eles dependem de mim. Em casa, somos tratados iguais. Mas, me diga, por que vêm me entrevistar? Não há ninguém aqui para falar de nós. Nossa seleção não traz resultados. Não interessa a nenhum jornalista".

Parei por segundos. Poderia dar-lhe a resposta oficial de que era procedimento de praxe e a entrevista seria encerrada. Foi quando uma voluntária interveio com rara sensibilidade.

"Se estamos aqui é porque queremos te ouvir. E sua história é um exemplo. Você é uma vencedora, de verdade. Não importa o que diga o placar".

A emoção contagiou os voluntários que me ajudavam na cobertura. Naquela hora, foi difícil separar o homem do profissional. Achava que ter visto Jade Barbosa, Diego e Daniele Hipólito; Daiane dos Santos, Janeth e Marcelinho tinham sido o bastante. Os 10 dias seguintes de Parapan valeram por 10 minutos de Galarza, que, agora em um choro indisfarçável, terminava de nos contar sua história.

"Está sendo tudo maravilhoso. Nunca imaginei jogar num ginásio como esse. Jamais pensei em ser entrevistada, ter importância para a minha nação. É um momento mágico em minha vida e sei que nunca mais o reviverei. Obrigado pelo carinho".

Em meio a lágrimas e silêncio, nos afastamos. E sentimos que algo não estava completo. Reuni os voluntários no dia seguinte para falarmos de Cristina.

"Acho que ela merece uma homenagem pela mãe, pela mulher e pela atleta que é. Por que não fazemos um kit do Pan para ela? Um pode dar a bolsa que ganhou para ser voluntário, o outro a garrafinha d'água, outro a pochete, enfim, também recebemos camisas demais da organização. Podemos dar umas quatro, uma para cada filho e outra para ela, fora o casaco e o boné."

"Se alguém tiver camisas da seleção brasileira, acho que também vale como recordação", sugeriu um dos voluntários.

A decisão foi unânime e no dia seguinte pouca coisa importava além de localizar Cristina. E foi até mais fácil do que imaginávamos. Após jogar a partida de despedida, fomos até ela.

"De novo? Sempre eu?", disse, abrindo um sorriso carinhoso, como se já nos conhecêssemos há tempos.

"Sim, nos conte sobre o jogo", disfarcei, já sabendo que o mais importante estaria por vir. Após algumas palavras, uma de nossas voluntárias lhe entregou o kit.

"É para você e seus três filhos. Não vamos nos ver mais. Então boa sorte e seja muito feliz. Tomara que eles também gostem".

Cristina parou por alguns segundos. Abraçou cada um de nós cinco, se esforçando para se apoiar, ora na cadeira, ora em uma das pernas. Demorou até dizer a primeira palavra.

"Gostarão sim. Estou muito grata. E certa de que sentirei uma saudade imensa de todos vocês. Muito obrigado. De coração. E até breve."

No adeus silencioso, me dei conta de que o Pan não havia sido Thiago Pereira, Ádria dos Santos ou Clodoaldo Silva. Nada calou mais fundo do que Cristina.

Um ano depois, tento achá-la em sites de busca e descubro que, fora daquela arena, ela é uma entre tantas. Em minha memória, a personagem perfeita. No computador oficial do Pan, sem uma linha de destaque. Perdida para sempre até mesmo onde tudo se encontra. Viva apenas na memória dos que compartilharam aqueles breves minutos com a guerreira Galarza, heroína que os deuses do Olimpo saberão reconhecer, mas que nossos livros de histórias olímpicas jamais contarão.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Joões de barro


As balas que mataram o pequeno João Roberto estilhaçam em nossa cidadania. Onde estão os que deveriam nos proteger? Aliás, onde estava alguém para parar o carro que matou outro João, o Hélio, há um ano atrás? Diante das balas e dos carros que não param, paramos nós.

Por que balas matam? Alguém ainda se lembra que, em 2005, tivemos a chance de pôr um basta nesse falso moralismo de que cidadãos de bem precisam andar armados? Bastava um dedo. E não era no gatilho. Mas as armas ganharam de goleada, quase 65% dos votos. E seguimos podendo matar por legítima defesa e morrer por ilegítima ignorância.

Se optamos por dar armas a quem deveria desarmar, é hora de refletir. Onde começam as armas nossas de cada dia?
Da mesma sociedade que dispara ódio, pressa e intolerância? De bandeiras que sangram ira, línguas que destilam inveja e corações que pulsam mágoa?

Quando essa sociedade vai deixar de passar indiferente pelos que clamam honestamente sua atenção? Ah, mas isso é problema do Estado... Que Estado? Na democracia, o estado somos nós. Se ele é falho, falhamos nós que o escolhemos ou não cobramos dele o que nos é de direito. Revolta silenciosa não basta. É preciso - e legítimo - agir.

Será que nossos bandidos não começam nas fantasias infantis de super-heróis, quando aprendemos (?) que bandidos só são bandidos e mocinhos só são mocinhos? Crescemos e, em vez da liberdade, somos apresentados a um cárcere diário. Vivemos sob o império do medo, e aí a paralisia já nos torna desconfiantes e defensivos perante o desconhecido. Deixamos de ser altruístas, generosos, comunitários. Aliás, algum de nós já deu hoje um simples bom dia que seja?

Não devemos perder a esperança nem a dignidade. Sobretudo a sensibilidade. Ver um país que chamamos de nosso
mais humano não pode ser utopia. Nele, armas voltam a ser lápis, cadernos, livros e corações desarmados; bocas sorridentes e olhares sinceros estão engatilhados tão somente pra disparar felicidade aos quatro ventos. Em nome de Joões, Daniéis e Isabellas, que não merecem ter a sorte selada numa roleta-russa qualquer.

domingo, 6 de julho de 2008

Favor pisar a grama


- Vamos brincar?
- Onde?
- Que tal naquele gramado lá embaixo?
- Não me parece uma boa razão para abrir mão do meu repouso.
- Vem comigo. Algo me diz que não vais te arrepender.

Começava a cair a dinastia de Roger Federer na quadra central do All-England Lawn Tennis & Croquet Club. O elegante número 1 suíço punha à prova seu repertório inigualável de lobs, slices, drives, voleios e todos os aparatos que o conduziram ao topo não só do ranking mundial como da história dos grandes tenistas.

Também de branco, do outro lado, um jovem espanhol sempre disposto a sujar sua roupa de terra. Mas terra não basta no planeta da bolinha amarela. Por isso, o bravo Rafael Nadal, melhor tenista da atualidade, ainda sentia um vazio apertar seu peito, pois que não encontrava títulos sobre aquele terreno gramado.

Mas quantos são os privilegiados que têm do destino a chance de preencher os vazios, de superar os limites, de se auto-conhecerem indo e voltando do e para o limite? Tudo pelo bailar inconstante de uma bolinha que toca irregular a grama do abarrotado clube de tênis inglês.


Duelo de titãs.

Federer líder, clássico, agudo e preciso. Plana na grama como se bater uma bola a duzentos quilômetros por hora fosse acariciá-la com as entranhas de uma raquete.

Nadal enérgico, eficiente, crônico e agressivo. Golpeia a bola como se fosse destroçá-la, sem, entretanto, arrancar-lhe um fio ou levá-la além das linhas brancas de jogo.

Wimbledon 2008. E tão logo os deuses acharam aquele parque para brincar, sentaram-se. Não havia muito a fazer além de aplaudir a inteligência de Roger e a energia de Rafael. Para quem torcer? Olharam para os lados, onde lendas vivas e mortas do tênis se entreolhavam, atônitos, a cada troca de gentilezas entre o suíço, o espanhol e a quadra inglesa. Três línguas que falaram por todas num domingo ora de sol, ora de chuva. Ora de suor, ora de suspiro.

A noite que caía no estádio sem luz artificial chamou os deuses dos vivos e os mortos que não sabem se são deuses, mas juram jogar como os vivos. Precisavam responder à pergunta que quicava há mais de quatro horas e meia na quadra central: para quem entregar o troféu de campeão? Afinal, se havia uma coisa injusta naquele duelo era deixar a noite apagar o brilho de dois cometas, como tentaram fazer nuvens carregadas horas antes.

Em um jogo como o deste domingo, 3x2 Rafael Nadal sobre Roger Federer com 6/4, 6/4, 6/7 (5/7), 6/7(8/10) e 9/7, título é detalhe, troféu é detalhe, números são detalhes. Em jogos raros como os de hoje, para o bem do esporte, o mais precioso está gravado na memória dos presentes e na alma dos ausentes. Por isso, trataram os deuses de encerrar aquela partida, que não podia, por falta de luz artificial, diga-se bem, varar segunda-feira adentro.

Por isso, eram 21h15 na grama sagrada inglesa quando o troféu de Wimbledon refletiu pela primeira vez a face de Rafael Nadal. Sem esconder um centímetro de sorriso, o jovem de 22 anos desfilou alegria na noite londrina. Federer, cinco vezes campeão por ali, ainda rei entre os grandes tenistas, soube reconhecer a façanha do espanhol, mas não encontrou palavras para quebrar sua decepção.
"De verdade, acho que nós dois demos duro até o fim. No tênis, infelizmente precisa haver vencedores e perdedores. Não há empates".

Quando toma de Roger a palavra, Rafael lembra que as lágrimas deste domingo o conectam ao seu primeiro Grand Slam, no saibro francês de Roland Garros, há três anos. Para um jogador tão experiente, embora jovem, a confissão de inocência diante da magia e da grandiosidade de seu esporte nobre.

Assim que a cerimônia termina e os campeões se vão, presenteados pela exibição de gala; tão rápido a lona verde cobre a quadra central do All-England Lawn Tennis & Croquet Club, almas libertas rumam para a quadra vizinha. A noite toma a cidade e cada londrino já trilhou o caminho de casa. É quando duas daquelas almas errantes finalmente resolvem brincar naquele parque. Tentam ser Nadal e Federer por um dia. E descobrem o quão duro é tentar ser humano.

- Não te disse que seria bom?
- Fico devendo essa ao amigo...

E voltam sorrindo para seus afazeres no além.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Cantiga de despertar

Ele saía de um dia longo de trabalho. Embora cansado, não se sentiu mal, como antes. Tomou o táxi e foi subitamente tomado de uma sensação de paz. Uma paz indescritível, que só lhe seria revelada minutos depois, quando chegaria a seu quarto.

Instinto. Tomou da folha de caderno e começou a escrever o que segue. Sua cabeça estava leve e suas mãos incessantes. Não pensou duas vezes. Aliás, nem três, nem quatro. Apenas fez escrever, sentindo que uma força incontrolável invadia sua alma.

Eu não precisaria te escrever, mas sinto que devo. Acalma-te, meu filho. Tu não perdeste nada. Tudo o que passas na vida são pegadas de existência que ganhas em tua alma. Não te afliges com a dor que é passageira. Vieste com uma missão grande a este mundo. Nada que vá revolucionar teu habitat, mas a Missão de tua reforma íntima. Ela começa no desapego. E quantas lições os anjos do Senhor não vos tem enviado. A cada perda que dizes é ganho de vida. Acorda! Sofrimento é calo na alma. Isso é aquisição de longevidade, de décadas, de séculos. E bendiga a Deus por "sofreres" tanto agora, pois só assim podes desentorpecer tua visão e teus sentimentos. Deixe-se ser tocado pelo tempo da vida, pelo Belo de cada hora, de cada segundo. Não te vicies ou apegues a coisas vãs. É mal que tu mesmo recebes e aceitas.


Viveste, pela misericórdia, uma segunda oportunidade perto da natureza e do bucólico. Pedias honestamente isso em teus son hos. Sofrias com a ausência da figura da Mãe onipresente, como fora em tua infância. Concedemo-te as duas coisas por um período. Mas não te iludas, meu filho. Tratava-se apenas de descanso a teu corpo e refrigério a tua alma. Necessitavas deixar num lugar belo e cheio de boas energias a criança que não devia seguir contigo. É uma criança apegada, infantil, ciumenta, pedinte. Não a criança da alegria, da pureza e da caridade que devem persistir em nós. Acredite: tentamos te desligar dessa criança aos poucos, mas não foste capaz de aceitar. Fosse em casa ou no trabalho, estava lá a criança obssessiva. E, filho, quem pelo mundo é obssessivo, pelo mundo é obsidiado. De que adianta se abster dos prazeres mundanos se isso te mantém torpe diante do mundo? Se desconfias, se julgas, se vacilas...

Sê firme. No erro ou no acerto, mas jamais deixe de ser uma alma fluida. Aja com naturalidade, pense com naturalidade. Não reprima nem antecipe. Viva mais e melhor porque em paz constante com tua consciência. Cada um já cumpriu sua missão. Aceite isso de coração. Tua esposa te ajudaste e se ajudaste, mas era tempo de você crescer. Tua casa te abrigaste, mas era tempo de sair. E voar. Liberta-te. Saia, veja o Sol. E perceba como teu coração não depende de ti para pulsar. Basta estar em harmonia com a energia de Deus e do teu Eu-profundo. É hora de estar só para estar com todos. De aceitar a morte para viver o pleno. Deus vai tirar essa chaga do teu peito que se chama opressão. Deus está em ti. Seja mais forte e persistente do que teus pensamentos vãos. E que o balé eterno da natureza habite teu coração no compasso eterno do Criador. Que ele te abençoe agora e sempre.

Teu anjo da guarda

Ainda tomado por aquele sentimento inexplicável, ligou para sua mãe, que lhe confessou minutos de pois: sabe que tua avó acabou de me ligar dizendo não saber muito bem por quê? Escreve este texto que você recebeu no computador que vou mostrar a ela.

Em seguida, foi a vez de seu pai ler. Achou a mensagem coerente, bela e sugeriu que fosse compartilhada, afinal quanta gente não poderia precisar também daquelas palavras...

Aí está. Almas libertas se gostam e se compartilham. Porque nada aqui é só meu ou seu, esse texto é nosso. Como uma cantiga de despertar.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Da arte de congelar o tempo

Teu sorriso tem a medida exata de dez anos.
Faz tua face reluzir e o tempo parar enquanto te calas.
Nele, carrega o enigma esfíngico de teu ser.
Flor que se arma qual escudo impenetrável: mas como é doce contemplá-lo...

As palavras que de tua boca saem não ferem. Podem ser altas, sussurrantes, raivosas ou errantes. Mas fluem numa sinceridade tão clara como o caráter que delas emana.

Parece que essa angelitude rebelde te absolve dos pecados mundanos e dos julgamentos alheios, porque, se entoas o cântico da fúria, teu olhar descansa em mar aberto e sereno.

Ah, teu olhar... honesto como tuas palavras.
Fiel como teus pensamentos renascentistas.
Cada sílaba desmente a anterior, porém unidas soam um concerto lírico, desconcertante e único.

Cada momento contigo é singelo. Teus gestos regem passado, presente e futuro.
E se a dor ameaça feri-la, lá está ele novamente:
O sorriso que nem o tempo pode deixar de reverenciar.
A nós, andarilhos de tua estrada infinda, resta desfrutá-lo e aplaudir em silêncio.

Como é bom reencontrar essa voz doce que deixa palavras noutro plano.
Esse ser mutante, instável e suavemente instigante.
Rico poder te reconhecer pela força do Verbo, que poucos têm compreendido
E por isso mesmo lançado dardos contra teu peito aberto.

Teu trabalho e tua causa redimem teus deslizes.
Te tornam grande, sensível e guerreira.
Apóstola do bem, oferta a teus semelhantes a alegria que proporcionas ao Criador,
Quando te vê defender implacavelmente o Amor, ainda que às custas da guerra,
Sob esse sorriso puro que te traz à Terra.

Segue-te, Ana, tá?
Teu desejo será sempre uma ordem para a natureza que por sua filha se encanta.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Referendo Interno

Sim, eu voto pelo desarmamento.

Desarmem-se as consciências dos preconceitos sem sentido, as famílias do falso moralismo, os conceitos engessados que se perderam no tempo, a sociedade dos pensamentos ocultos, as ofensas desumanas que não cabem dentro de cada um.

Eu voto pelo desarmamento da velha política, dos esquemas sujos que envergonham o país. Desarmem a corrupção e seus autores que nos enganam, matando nossos sonhos e assassinando ideais de um país mais justo.

Meu voto é pelo desarmamento das ruas e seus fuzis barulhentos que disparam ódio, filhos da pressa, irmãos do stress, netos de um despotismo nada esclarecido.

Desarmem-se as bandeiras que sangram de ira, as línguas que destilam inveja, os corações que pulsam mágoa. Desarmem quem insiste em abrir as veias de nossa nação, os que se fartam da falsa riqueza e da pretensa nobreza. Atear fogo no lixo da sociedade? Atirar pedras nos que já cambaleiam?

Voto pelo desarmamento dos casais. Deponham os revólveres do ciúme, as pistolas da vingança, as carabinas do rancor. Sejam suas munições beijos; os tiros, afagos; a arma, o perdão. Calibre? O amor e suas balas que penetram sem perfurar.

Desarme-se a continuidade das cruzadas, basta de novos gladiadores, chega de fogueiras e caça às bruxas. Desarmem as fantasias de super-heróis, os bandidos que só são bandidos e os mocinhos que só são mocinhos.

Meu voto é pelo desarmamento do medo, da paralisia que impregna as cidades, da desconfiança perante o desconhecido. Quantas vezes não fabricamos armas e as entregamos de bandeja nas mãos do algoz, ainda que sejam eles nós mesmos...

Eu voto sim para a franqueza, não para a hipocrisia; sim pelos direitos que sabemos impor, não pelos deveres que aceitamos adquirir.

Meu voto é duplo, jamais nulo. Sim e não. Nascimento e morte. Respeito e reverência às naturezas. A minha, a tua, a dele, a nossa, a vossa, a deles.

Ah, se me fosse lícito o voto multicor... cheio de opções pra escolher algumas, pleno de flores para abastecer minha roleta russa. E poderia distribuir tiros de bom dia, como vai, precisa de ajuda?

Sim, te ajudaria. Não, não cobraria. Apenas faria atirar pro alto rojões de felicidade sempre que a sentisse perfurar nossas almas enquanto te ofereceria deliciosas bombas de chocolate pra agradar teu dia. E se meu peito explodisse de raiva ou ruísse de tristeza, fecharia os olhos
e contaria até dez, cem, mil. O quanto fosse preciso pra me desarmar e seguir de alma lavada.

Bom seria crescer e ver bolas de tênis não mais reféns de pés escaldados pelo asfalto da metrópole. E as armas voltando a ser lápis, cadernos, livros e corações desarmados; bocas sorridentes e olhares sinceros engatilhados tão somente pra disparar felicidade aos quatro
ventos...

Ainda não podemos votar por isso. Esse referendo passa ao largo de nossa pretensa genialidade.

domingo, 18 de maio de 2008

Cantigas de ninar I

Versos que encantam pela sonoridade, por adormecerem nossos corpos ainda na primeira idade, mas que entram e saem por nossos ouvidos como as brisas que assopram nosso dia a dia. Por onde andam nossas cantigas de ninar?

Pouco ou raramente temos a chance na vida de refletir sobre aquele punhado de palavras ditas por nossos pais, tios ou avós. E perceber sua sabedoria ímpar, ora imersa em códigos que passam inocentes por nossos sentidos, ora bem ali em nossa frente, porém guardada num passado que não acessamos mais.

Talvez por nos ocuparamos com tantos pequenos porquês de nosso mundo sério de gente grande, cantigas virem poeira, como as que cercam os livros de infância que ano após ano jogamos fora em nossas arrumações domésticas.

Uma pena que tão cedo esses legados despretensiosos tenham sido substituídos por fórmulas e teoremas nas salas de aula da vida, omitindo-nos a contribuição de nossa cultura e de quem mais deseja o nosso bem-estar.

Hoje acordei com uma dessas músicas na cabeça. Muitos devem lembrar-se dela.

"Se essa rua, se essa rua fosse minha... eu mandava, eu mandava ladrilhar... Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante... só pra ver, só pra ver meu bem passar. Nessa rua, nessa rua tem um bosque... que se chama, que se chama solidão... Dentro dele, dentro dele mora um anjo... que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei teu coração... tu roubaste, tu roubaste o meu também... Se eu roubei, se eu roubei teu coração... foi porque, só porque te quero bem".

Quanta coisa singela e ao mesmo tempo necessária... quantas previsões... Nas ruas que são nossas teríamos aprendido sobre limites, atalhos, responsabilidades e o cultivar para cativar. No bosque dos anjos ladrões, saberíamos que inveja, ciúme e insegurança andam lado a lado. Que possuir não é ter verdadeiramente. E, finalmente, que estar com não basta para duas almas serem irmãs e libertas.

Ainda assim, rumamos por estradas tortas, enladrilhadas de cacos mal-juntados de experiências. Não importa o quanto erramos, mas em quantas dessas vezes o fazemos com vontade de acertar.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

De volta a Marte


No vazio do não, a razão pediu ao coração que sentisse paixão
Doce ilusão...
Paixão não existe onde pulsa recordação
Nobre tempo, senhor da vida, pai da perfeição

Quem diria, o perdão?
A transformar fel em mel, pedra em algodão
Mágoa em permissão
A fazer o sorriso emergir da sombra hostil de palavras vãs
Para espalhar luz de volta a almas irmãs

Quem diria, a comunhão?
A resgatar risadas puras e abraços abertos
Lágrimas de olhares sinceros
Carinhos de amantes confessos
E lembranças que de alegria transbordam em versos

Bem-vindos de volta os de Marte
Planeta vermelho, antes distante, agora tão perto
Que em minha esquina não é mais deserto
E em meu futuro faz juras de amor eterno

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Céu de prata


Cansada de vagar sob os olhares do cruzeiro, ela voltou sua alma para os céus de prata. De um lado, descobriu seu encanto, do outro percebeu que encanto também se cativa.

Assim, aquela menina morena voltou à sua pátria, mas não sem antes transbordar na alma uma felicidade celeste.

Amor aos montes, em conta-gotas, de prata e de praia. De vento frio e céu do oriente que dali por diante a orienta.

E este dom sacrossanto? A glória. Nos céus do amor, a glória é cristã. E fiel, porque pronunciada com alma e entusiasmo sublimes, deitados eternamente em berço esplêndido.

Quem negará que é amor o olhar errante pelo horizonte que nem daqui se avista? Pois que horizonte seja lembrança, confiança e esperança. Passado, presente e futuro em um sorriso doce e singelo de Monalisa, a desafiar os que pensam que só se amam os que sempre se tocam.

Porque tocar corações diariamente com palavras também é afagar almas banhadas por sonhos de prata. E ela aguarda com paciência o dia que prata virar ouro e escorrer por seus dedos a provar que valeu a pena cultivar amores cristãos.

domingo, 27 de abril de 2008

Na estrada


Na estrada...
Só ou acompanhada?
Tudo ou nada...
Ser amada?

Teus olhos contemplam o mar pálido
E sob o coração jaz céu esquálido
Faz-se noite o dia
E tristeza a alegria

O luar no dia da noite é luz
Mas na noite do dia não reluz.
A tristeza, companheira do céu...
Mel ou fel? Léu.

Ah, índia...
Queres a liberdade da natureza
A simplicidade e a beleza
Quem roubou tua pureza?

Queres ser como o rio
Seguir livre teu curso,
Driblar pedras anos a fio
Não te importas o discurso.

Tentas, em vão, reter o passado
Mas do coração, só o enfado
Recordação... Tudo acabado?

Versos minguam como o escuro que te acolhe
A aurora vem
Mas, pra ti, a noite é além.

E reserva teu sol para o trabalho,
Enquanto procuras atalho
Para trazer de volta a lua
Só tua.

De volta ao caminho, a rua.
Distante carinho,
Amor que floresce e esquece,
Paradoxo de uma vida que não aquece.

E, no inverno, persiste o amor
Como na primavera a flor
No verão o calor
E no outono a dor.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Estações da alma



Primavera. Deram-lhe um jardim de flores do campo para cuidar. Sem nunca ter sido jardineiro, aceitou a missão, embora soubesse que esse tipo de flor dispensava grandes cuidados para prosperar.

Mas tanta empolgação com a tarefa fez com que, dia após dia, lá fosse ele a regar a terra, retirar as plantas que murchavam, plantar novas sementes, de modo que, em poucos meses, o quinhão sob sua tutela chegava a brilhar de tanto amor.

Verão. Em um dia de muito calor, sentiu-se mal e resolveu descansar em vez de cuidar do jardim. Pensou que não devia fazer tanta diferença, afinal, estava tudo tão perfeito... um dia a mais, um dia a menos, que mal faria.

Acostumou-se com a idéia de nem sempre dar bom-dia às flores do campo. Dividia com a natureza a tarefa de regá-las, afinal, para que fazê-lo se logo viriam as chuvas? As plantas murchas, a brisa do fim-de-tarde se encarregaria de tirar. E as sementes, estas talvez nem fossem tão necessárias assim, pois que haveria insetos a transportar o pólen de um lado a outro.

Ocorreu-lhe que flores do campo sabiam se virar sozinhas, senão nem teriam esse nome. Não eram como as rosas ou violetas que, frágeis, necessitavam de cuidados diários de um jardineiro. Sem se dar conta, começou a tirar seu time de campo. E, em poucos meses, as flores ficaram órfãs de pai e passaram a depender apenas da mãe natureza.

Outono. A chuva, antes fina e constante, agora alagava o jardim abandonado. O vento, até então brisa suave, não raro soprava furiosamente ao fim da tarde, arrancando as flores pela raiz. De belo só o sol do dia seguinte e o céu limpo da manhã, a iludir o jardineiro sobre o bom encaminhamento de sua missão.

Inverno. Finalmente resolve dar bom-dia às flores. E sente o frio cortar sua alma. Em vez do brilho, do colorido habitual, encontra um punhado de terra devastada. Já desacostumado a semear, regar e podar, se vê imóvel diante do que se passa à frente de seus olhos. Na verdade, seus olhos só fazem derramar lágrimas de quem se lembrava do jardim florido e reluzente da primavera, trocado pela imagem de um inverno que acabou por congelar seus sentimentos.

Percebe que perdeu a amizade com o tempo. O tempo das horas e o tempo do clima. De qualquer forma, o tempo. E tem de reconstruir tudo. Mas não é primavera e nem ele sabe se é jardineiro. Agora só lhe cabe a certeza de que cuidar é mais preciso que contemplar.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Felicidade em movimento

Anda, anda!
Andar por quê?
Andar pra quê?
Pelo mundo afora.
Pela vida, ora!

Ao fundo, a voz canta
Teu corpo levanta
Movimento se encanta
Energia que espanta!

Os olhos espelham alegria
Quanta magia!
Por eles, um novo dia se cria


Corre, corre!
Correr pra onde?
Correr de quê?
Da tua angústia, dos teus medos...
Pra tua felicidade!

Vamos, um, dois, três, dez, cem...
Vai além, cativa alguém!
Faz um bem...
A alma do corpo refém? Nem vem?
Saudáveis apenas, amém!

Corta o quê? Pula pra onde? Chuta daqui?
Sim, daí!
A vida é pra sorrir
Corta a tristeza onde vir
Pula pra outra, se o coração pedir!

Profissionais do corpo que afagam as almas,
Ensinam, aprendem, praticam
A vocês, as palmas
De uma platéia que chora suor,
Transpira problemas de cor
Mas sem perder o sorriso ao redor

Vocês, maestros da batuta invisível,
Silenciem por um instante as vozes
Pra que nossas almas digam velozes
Caminhar é possível
Viver, incrível!

Quatro horas que mudaram o mundo

Interessante perceber como algumas tecnologias vão permitindo descobertas geniais. Acabo de me convencer que outras “ologias” – as mais ocultas - estão erradas, precisam ser revistas, deu a louca nos astros ou eu estou ficando louco. Explico.

Outro dia estava navegando por um desses sites conhecidos de ‘expansão de círculos’ (a última vez que tinha ouvido falar nisso era nas aulas do velho Dionísio, que conseguia, com maestria, conduzir o giz pelo quadro negro desenhando uma circunferência perfeitamente curvilínea). Mas dizia eu da minha navegação virtual quando me deparei com uma “comunidade” absolutamente única: o dia do meu aniversário!

Sim, depois dos “eu odeio algo ou alguém” e “fora fulano ou cicrano” criaram uma comunidade decente: o dia do nascimento. Imagina... depois que o primeiro sujeito teve o arroubo de genialidade foi copiado por outros 365 (imagino que a mais interessante das 366 seja a do pessoal de 29 de fevereiro, que só pode assoprar velinhas de verdade a cada 4 anos, mas sigo curioso pra saber quando o tal gênio nasceu...).

Mouse vai, clique vem, e eis que alguém surge com o tópico tão esperado, mas que ninguém havia tido coragem de postar: você é de que ano? Hum... senti um arrepio na espinha e aquela sensação de frio na barriga incontrolável. Finalmente os dezessetanos de dezembro saberão quando nasceram seus pares de velinhas.

Minha mãe sempre gostou de astrologia. Nunca fui muito metido no assunto, mas algo me levou a concluir que aquela seria a chance derradeira de saber se os “ólogos” da vida estavam certos. A primeira a se voluntariar – e sugerir o tópico - foi uma simpática senhora de óculos escuros. Pensei: será esse meu futuro? Ser um simpático senhor míope charmoso que fica navegando na Internet com idéias geniais sem muita utilidade?

Antes que me ocupasse da resposta, outras manifestações começaram a aparecer. Em tese, deveriam ser sucintas, afinal, a pergunta era bastante clara. Mas como os sagitarianos são vaidosos! Cada um fez questão de dar pitaco na sua própria resposta. Eis que na terceira tacada chega a Marisa e emenda: “tb sou bem experiente!!!!” Taí outra característica nossa: não assumimos que envelhecemos, aí velhice vira experiência, sabe como é... (ah, e as quatro exclamações bem espalhafatosas ao fim da frase não seriam de se espantar em se tratando de alguém mais jovem... mas vá dizer isso pra um sagitariano “experiente”...)

A criatividade do Zé Faria o levou a fazer uma espécie de auto-degustação: sou da safra de 1952. Faltou dizer se era argentino, chileno, francês ou italiano... Pra não fugir à regra veio logo a Mila cantar de galo: acho que sou a + nova aki, Bem, que é nova não precisa dizer. Basta ver que, com um econômico e moderno “+” e um “k” espremido entre duas vogais ela deu um prepotente tiro no “qu”.

Duas horas depois a Carol, inconformada, foi dizer que ela sim era a mais nova, e provou por a mais b. Coitado de mim... eu que nem estou tão velho, comecei a me sentir um trapo. Elas não viram os caras-pintadas, os colloridos roxos, as diretas, o playmobil, o atari, os discos de vinil... Mas devem estar felizes com as tchutchucas, os tigrões e as festas no apê. Pior a Bia, tadinha, nasceu em 93 e se declarou radiante a mais nova da casa. Não viu o Senna correr nem morrer. Não viu a inflação subir nem descer. Em compensação, deve achar que o futebol brasileiro é algo do outro planeta e até hoje deve se perguntar pra que disputar copas se todo mundo já sabe qual o melhor time (sei não, pensando bem, não deve dar muita bola pra isso...).

Enquanto isso, a Bárbara, mostrava alívio com o destino que a poupou de não ser dezessetana: “às 23:30h. Ufa, por pouco sou do dia 18.”. Tristeza mesmo só pro velho Rodolfo de 1969, cuja melancolia em pouco lembrava o jovem Marcus de 1957: até disse a hora em que nasceu! A Vanessa, por sua vez, parece daquelas que não se cansam de aumentar sua “circunferência social”: “eu nasci em 1983!!!! Quem tbm nasceu no mesmo ano que eu, mi adiciona la tah!!! Bjos.(sic)" Lamento, vanessinha, mas vou ter de ser seu inimigo mordaz por causa de 2 anos...

Tava uma delícia a busca e a cereja do bolo foi quando achei o Rafael de 1981. Não acreditei! Pronto, a confirmação de que há outro como eu! Não sou único! E pelos que os “ólogos” insistem em dizer, deve ser igualzinho a mim! Bom... semelhante, afinal o cara nasceu quatro horas antes... Parecido comigo, pra ser preciso, já que ele estampa seu voto pro “não” no referendo com a mesma convicção com que votei “sim” ...

"O valor das coisas nao esta no tempo q elas duram, mas sim na intensidade com que elas acontecem". Que apresentação! Bravíssimo! Que sintonia! Os astros não mentem! Então era só confirmar a regência solene do espaço: saí a caça das comunidades adeptas do meu homônimo, homoânomo e homodátano.

Ele, de São Paulo; eu, do Rio. Ele, Inri Cristo para papa; eu São Francisco de Assis; ele, Portal do Inferno; eu acampamento Paiol Grande; ele Jason; eu Cidade dos Sonhos; ele bateria, eu violão e teclado; ele, estranho; eu, no máximo, converso com meu cachorro e sou meio esquecido; ele diz que vai pro inferno, eu já não gosto de violência nos estádios; o humor dele é negro, o meu, irônico e suave; o genérico gosta de zumbis e mortos-vivos; eu só quero acampar e fazer trilhas; ele é a favor da pena de morte, eu luto pela vida; ele acha brinquedos traumatizantes, eu jogo Playstation, e daí? Isso pra não dizer que transformava pregadores de roupa coloridos em jogadores de futebol; ah, ele odeia futebol com a mesma gana que eu morro de paixão pelo esporte, e ainda por cima acredita no horóscopo egípcio!

Quer saber? Já não acredito é em horóscopo nenhum!

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Anar é...


Anar é não dar bola para a tristeza que bate a porta, ser mais feliz do que um dia cinza e chuvoso pode sugerir.

Anar é contar histórias simples, mas que provoquem risos, é dançar conforme a música e saber que elas não são tão complicadas quanto pensamos.

Anar é abraçar, agarrar, ir e vir, driblar o tempo sem refletir muito sobre o que nos deixa deste ou daquele modo. Anar é viver a vida de cada dia e ponto.


Anar pode não exigir um talento nato com as palavras, mas quem disse que isso é preciso? Se anar dia após dia nos faz felizes e enche nossa alma de pingos de luz, já é o bastante.

Anar é como este texto. Não mais do que três linhas por parágrafo. Não mais do que algumas palavras. Mas basta que elas passem por nossos olhos para garantirem mais um dia de alegria em nossas vidas.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Quem não chorou?


Eu chorei, quem não chorou?


Chorei a perda de meu país para os ditadores do falso milagre.

Chorei a anistia, chorei a queda do Muro de Berlim.

Aliás, chorei o nazismo, chorei o Apartheid e a morte do sonho de igualdade entre os homens.

Chorei a injustiça nossa de cada dia, que consagra ladrões de terno e gravata e relega homens de bem às calçadas da indiferença.

Por isso chorei quando me senti injustiçado, mesmo que durante noventa minutos de um jogo. Ora, o que é um jogo? A vida é um jogo. Meu jogo é minha vida.

Mas chorei com dignidade, porque as lágrimas me foram concebidas com o milagre da vida. Com elas me entristeço, dou gritos de alegria, mostro minha revolta, revelo minha gratidão. Com elas vivo meu jogo diário de vitórias e derrotas.

Eu não atiro.

Armas foram feitas por homens para matar homens.

Para matar sonhos, para plantar a desigualdade, para semear a discórdia e dizimar a humanidade.

Infeliz de quem atira no companheiro de trabalho, no colega de equipe, na alegria de um gol, no adversário de campo, na euforia da vitória, no time que o acolheu.

De quem nasceu para atirar só posso lamentar o choro dissimulado que não verte lágrimas e debocha do sentimento alheio.

Porque artilheiro de verdade só sabe atirar bolas para o gol. Ele balança redes e espalha alegria para um povo sofrido, que junta cada centavo de seu mês curto para expurgar suas frustrações e se alegrar por míseros noventa minutos.

Meu artilheiro veste o branco da paz, o preto do luto no momento devido e sabe chorar na derrota. Por isso, seguirei aplaudindo até seus erros em campo, porque sei que seu esforço é fruto sua dignidade.