terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Elogio ao primeiro amor

Por favor, não se incomode se invadi sua página, se entrei léguas em sua intimidade. É que o mundo do faz-de-conta estava ficando muito chato. Por isso escolhi seguir contigo.

É apenas uma tentativa, vá lá. E nem pense que é grande coisa tirar o bilhete premiado, afinal esse cupido está mais para saci-pererê. Melhor assim, afinal, de heróis e bandidos já bastam os que nos vendem diariamente. E, se minha vida não é história em quadrinho nem roteiro de ficção, fiquemos com a boa e velha autenticidade.

Por isso, quero um amor de vaga-lume, que se acenda no lampejo instantâneo de uma noite qualquer. Não precisa ser como o sol, a saturar o brilho das coisas pequenas, nem a lua, cheia de promessas enamoradas a cumprir. Basta um brilho de um quarto-de-segundo que dure por uma eternidade em nossas retinas.

Teu amor deve tocar meus olhos, mas não apenas. Precisa dizer à minha íris que cor tem tua alma. E isso não se prova com frases feitas ou presentes pré-fabricados. Quem sabe um olhar pousado, mas sincero, daqueles dias em que até o mar pára para contemplar as gaivotas.

Flores, quem sabe? Contanto que de seu próprio jardim, colhidas com o perfume de teu suor e ofertadas com tuas mãos marcadas de vida. Vida. É disso que precisam nossas quase-vidas. Menos máquina e mais homem. Menos pegar e mais sentir. Menos ficar e mais curtir. E que importa se se vai? Ou há algo mais belo neste mundo do que a impermanência?

Assim, nosso amor será como o fogo, a se apagar a cada brisa noturna e se acender à primeira centelha de sol da manhã. Chama eterna que só dura para sempre porque se apaga a cada dia.

Por isso te peço: por favor, aceite este amor torto, inconstante, impuro, mas único, humano.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Dois traumas


Depois de buscar duas bolas difíceis que vieram em minha direção, resolvi me atirar ao encontro da terceira. A saída rápida nos pés do atacante foi corajosa, embora dolorosa. Dor que não senti no calor da partida. Até aquele momento, meus olhos, boca, nariz, ouvido e mãos estavam única e exclusivamente voltados para meu coração. Um movimento, várias batidas. Todas registradas. Mas, daquela vez, não me permiti o susto com o próprio corpo.


A chuva apertou e simplesmente abri os braços enquanto minha bomba-relógio tentava se rearmar. Neguei-a. Apenas fechei os olhos e abri a alma para uma cachoeira que caía sobre meu peito, tal qual no tempo em que meu órgão mais sagrado era simplesmente um coração. Tudo se asserenou. A partida fluiu, os músculos acusaram o tempo inativo e voltei a me sentir mais um. Quantas vezes não pedi a Deus por aquele momento? A saída escancarada. E como não pensei nela antes? Desarmar. Tão simples quanto pular na bola necessária e deixar sair a que não precisa de mim.

Cinco anos de angústia. Cárcere mental. Pensamentos demais, ações de menos. Cada passo se revestia de uma auto-significação que ultrapassava a simplicidade do momento. Tudo era complexo. E, em complexo, cheio de entradas e saídas. Vazado, retalhado; furado, remendado. Quanto esforço físico e mental em nome da coerência inconsciente. E bastava deixar fazer e passar... Passou.

Agora sim, começa um ano. Recomeça a vida. Acordo do pesadelo que parecia interminável com o corpo dolorido, mas cheio de vontade de movimentá-lo. Hora de simplificar, mexer apenas o necessário. Mas quanta coisa é necessária... Deixar fazer, deixar passar... Jogar com a vida. E me deixar ser jogado. Deixar que passe por entre os poros, corra pelas veias e atinja em cheio um coração apaziguado.

Fim de jogo. De trauma, apenas o de um dedo valente, enfaixado por um dia. Mas o que é esse perto do que acaba de se encerrar? Na memória, ficarão apenas as cicatrizes, a mostrarem que um dia a dor cura, a angústia passa e a felicidade acorda.