
Eu chorei, quem não chorou?
Chorei a perda de meu país para os ditadores do falso milagre.
Chorei a anistia, chorei a queda do Muro de Berlim.
Aliás, chorei o nazismo, chorei o Apartheid e a morte do sonho de igualdade entre os homens.
Chorei a injustiça nossa de cada dia, que consagra ladrões de terno e gravata e relega homens de bem às calçadas da indiferença.
Por isso chorei quando me senti injustiçado, mesmo que durante noventa minutos de um jogo. Ora, o que é um jogo? A vida é um jogo. Meu jogo é minha vida.
Mas chorei com dignidade, porque as lágrimas me foram concebidas com o milagre da vida. Com elas me entristeço, dou gritos de alegria, mostro minha revolta, revelo minha gratidão. Com elas vivo meu jogo diário de vitórias e derrotas.
Eu não atiro.
Armas foram feitas por homens para matar homens.
Para matar sonhos, para plantar a desigualdade, para semear a discórdia e dizimar a humanidade.
Infeliz de quem atira no companheiro de trabalho, no colega de equipe, na alegria de um gol, no adversário de campo, na euforia da vitória, no time que o acolheu.
De quem nasceu para atirar só posso lamentar o choro dissimulado que não verte lágrimas e debocha do sentimento alheio.
Porque artilheiro de verdade só sabe atirar bolas para o gol. Ele balança redes e espalha alegria para um povo sofrido, que junta cada centavo de seu mês curto para expurgar suas frustrações e se alegrar por míseros noventa minutos.
Meu artilheiro veste o branco da paz, o preto do luto no momento devido e sabe chorar na derrota. Por isso, seguirei aplaudindo até seus erros em campo, porque sei que seu esforço é fruto sua dignidade.