segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Goleada da democracia


Não foi apenas a seleção brasileira que ganhou um presente dos mais de 80 mil torcedores presentes ao Maracanã para Brasil 5x0 Equador. O futebol maduro, responsável e, acima de tudo, democrático, agradece a uma torcida tão plural em seus manifestos. Por isso Pelé, rei com a bola nos pés, mas simples mortal com palavras na boca, escorregou ao criticar o comportamento dos brasileiros no maior estádio do país.

Vaia nasceu para criticar, jamais para ser criticada. As vozes uníssonas que tão cedo repreenderam o futebol enfadonho da seleção de Dunga clamavam o valor de cada centavo investido naquele espetáculo. Uma seleção que, em campo, não conseguia ser brilhante o suficiente para justificar todo o prestígio que a cerca não era capaz de superar o bloqueio imposto pelos equatorianos. Isso quando eram jogados apenas 20 minutos do primeiro tempo. Bastou para os atletas brasileiros despertarem do transe provocado pela própria torcida, ao proporcionar um espetáculo paralisante, jamais visto in loco por 10 dos 11 jogadores.

Foi instintivo. Infantil mesmo. E ninguém conseguiu disfarçar. As lágrimas nos olhos de Júlio César durante o hino nacional, as pernas pesadas de Ronaldinho a errar passes óbvios, o olhar tenso de Dunga, a alegria menina de Robinho e Kaká, sabedores do dever cumprido - antes tarde do que nunca. Cada qual ao seu modo expressou sua pequenez diante da história do maior do mundo. Com a torcida não foi diferente.

Como lembrou no intervalo Fernanda Montenegro, presente à histórica partida em que mais de 100 mil vozes vaiaram uníssonas a entrada de Julinho Botelho no lugar de Garrincha, isso lá pelos anos 60. Pois Julinho, único personagem de quem hoje Fernanda se recorda, fez questão de dizer que ele sim tinha razão, ao ter sido escolhido. O tempo mostrou quem estava certo.

O tempo da superproteção institucional ao astros da seleção foi sepultado com o quinto lugar na Copa da Alemanha. Agora, os poderes são divididos. Dunga comanda, mas não manda. Jorginho auxilia, mas não expõe ninguém a esmo. Quem treina bem joga e quem vai mal em seu clube assiste de casa.

Nada mais saudável então do que o intempestivo termômetro do torcedor. Sempre disposto a vaiar muito quando as coisas vão mal e aplaudir de pé o bom espetáculo, ele é o fiel da balança dessa estrutura horizontal de honestidade de princípios sobre a qual nossa seleção desfila às portas da Copa de 2010. A caminho da África do Sul, torcedores e jogadores celebram em um só coro o fim do apartheid multi-estrelar na seleção brasileira de futebol. E se orgulham de serem brasileiros com muito amor e muita crítica - como apraz a qualquer bom casamento.

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