domingo, 15 de fevereiro de 2004

A estátua que congela a história


Romário faz o milésimo em São Januário e lá estão os holofotes no Reino da Cruz de Malta. Começa a perder a corrida para o tempo e chegam as redes salvadoras de Miranda I a oferecer ao baixinho o cargo de técnico como consolação. Justas homenagens, embora resvalem em um paternalismo conveniente. O príncipe não está só.

Em pouco tempo a história reestabelecerá a verdade dos fatos, pois não glorifica déspotas nem consagra mitos de cera. Miranda I é bem menos do que pensa, mas um dia, como mortal que pretende não ser, perderá a corrida para o tempo. Esse ninguém poderá salvar.

O que a história nem sempre faz é justiça com a omissão. Por isso, a estátua de Romário em São Januário é o pecado capital da administração de Miranda I. Ela mostra o que convém para esconder o que não interessa.

Não que Romário não merecesse uma homenagem à altura de seus feitos - e entenda-se altura meramente no sentido figurado -, mas nos poucos alqueires que se abrem atrás de um gol de São Januário há a fila que história nenhuma pode negligenciar.

De forma curiosa, a torcida faz questão de reestabelecer a justiça religiosamente. A ode ao Expresso da Vitória se mistura nas arquibancadas ao grito singelo; "Roberto, Roberto". Inusitado que o nome do maior ídolo da história do clube surja como sinônimo de protesto. No Reino da Cruz de Malta, democracia é artigo de luxo. E Roberto era democracia.


O palco preferido do 10 era a República do Maracanã. Lá as cadeiras desconheceram brasões e vozes puderam entoar uníssionas a pluralidade de um futebol que encantava. E Roberto era astro. Não a serviço de Miranda I, mas de vascaínos e, principalmente, amantes do futebol-arte. Definitivamente, o Reino da Cruz de Malta era pequeno para sua grandeza.


Como a Gávea é pequena para Zico. Como General Severiano foi pequeno para Garrincha e Laranjeiras para Rivelino. O problema é questionar isso num regime que faz questão de apartar o grande palco de seu público. Se há alguma camisa a ser imortalizada, com justiça aos números e à história, a 10 antes da 11. E se uma só estátua coubesse naquele pedaço de terra, certamente ela teria o 10 nas costas.


Camisa que nem o Santos de Pelé e nem o Botafogo do 7 Garrincha fizeram menção de imortalizar. Sabem que grandes gestos não se retribuem materialmente, pois que são feitos de imagens e memória. Mas vá dizer isso a Miranda I.


Ele pensa que é dono do Reino, mas está de passagem. Em breve, será goleado pela história e, queiram os deuses do futebol, terá suas injustiças despóticas varridas pelo tempo para escanteio.


Um gol de placa que a nação vascaína saberá comemorar como fazia nos tempos de Roberto.


2 comentários:

Anônimo disse...

Aí você tocou na ferida. O reino da Colina é um dos lugares onde o pôr-do-sol pode ser visto da forma mais exuberante, logo, uma das sete - oito com São Januário - maravilhas do mundo. E olha que eu só fui lá duas vezes...

Deixando o momento piada de lado, Eurico, Romário, Edmundo, Valdiram (???!!!) etc. não representam, à bem da verdade, quase nada na história do Vasco. Os vascaínos - pelo menos boa parte deles - não se deixam enganar pela artilharia do Edmundo em 1997, pelos 3 gols do Romário na final histórica de 2000, nem mesmo pelos mandos e demandos do Eurico em favor (será?) do Vasco. Como você bem disse aí, Rafa, é coisa passageira. Ídolos como Roberto Dinamite e Edmundo podem até acompanhar e torcer pelo Vasco pelo resto de suas vidas. Fizeram parte da história cruzmaltina e são reconhecidos por isso. Mas passaram, ficaram apenas na memória. Tem coisas que não passam nunca, e vão se manter na essência do clube pro resto da vida. Uma delas, e a principal, é a tradição.

O que um clube de futebol pode fazer além dos limites do próprio futebol? Isso é o que fica, o que marca pra sempre. O Vasco foi o primeiro a brigar contra o racismo numa época em que lutar pelos direitos dos outros era pura filantropia política. A simbolização da colônia portuguesa em um agremiação esportiva. Os atos públicos e comícios, como o de Getúlio, em São Januário. O trabalho social, a atuação esportiva e disciplinar, e por aí vai. São essas coisas que realmente ficam para a essência do Vasco, que nenhum cartola pode tomar, mesmo que se esforce muito pra isso, como o Eurico.

Prefiro acreditar que o futebol está mudando, e que daqui a pouco, por lei de mercado, não vai haver mais espaço para cartola e amador no comando de clubes profissionais. Também não sei se o Roberto é o nome ideal para ocupar a presidência do Vasco. Foi o maior artilheiro de São Januário e da história do clube, mas pode manchar sua história se fizer qualquer cagada. Afinal, não há bicho mais impaciente, desmedido e ingrado do que torcedor.

É bom acrescentar que me candidato desde já ao cargo. Quero ser o primeiro Breiller na história a ocupar a presidência do Vasco (sempre fui bom de estatística hoho).

Rafa Barros disse...

Opa, se Vossa Senhoria se candidatar até mudo de clube só para votar no Presidente Breiller I!