terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

Risos e lágrimas de história


Flamengo campeão. Quem venceu comemore. Quem perdeu se contente...

Botafoguenses se lamentarão pelo pênalti que decidiu a final da Taça Guanabara. Fato por fato, até podem ter razão. A falta foi duvidosa, a expulsão de Zé Carlos equivocada (talvez fosse mais justo eliminar o goleiro Castilho do jogo) e, no 10 contra 9, os rubro-negros tiveram o jogo nas mãos para fazer mais um gol e levantar a taça.

Futebol não é feito pra ser justo, mas para apaixonar. Se tudo fosse honesto no planeta bola, não precisaria de juiz, torcer seria em vão e venceria sempre o melhor. Não houve melhor nem pior nessa final. Houve o elemento humano, sempre a desequilibrar e tornar esse jogo maravilhoso.

Léo Moura desequilibrou, como sempre. Foi dele o passe decisivo para Diego Tardelli, que concluiu com simplicidade e maestria. Não é fácil sair atrás do placar em um jogo decisivo e encontrar forças para reagir. O juiz desequilibrou. Não importa. Com ou sem ele, uma coisa é certa: nos dois jogos mata-mata, contra Vasco e Botafogo, o Flamengo teve a maturidade de um campeão.

Fim de jogo, me intriga o complexo de perseguição alvinegro, que, psicologicamente, traduz uma recusa em se perceber inferior. O Botafogo é inferior ao Flamengo em tudo o que é mensurável, numérico: em torcida, em títulos, em arbitragens pró, em mídia pró, entre outros. O Botafogo é grande, mas infinitamente menor em torcida do que o rubro-negro. Para cada 10 torcedores no Rio, 6 são flamenguistas, 2 vascaínos, 1 botafoguense e 1 tricolor. É o que dizem as duas últimas pesquisas feitas por Ibope e Datafolha.

Quer dizer, há mais empresários flamenguistas, mais comerciantes flamenguistas, mais motoristas, mais catadores de papel, mais homossexuais, mais heterossexuais, mais jornalistas, mais juízes. Juízes? Sim, ou alguém tem a ilusão de que juízes não têm time?

O que o Botafogo não é menor nem maior do que ninguém é no imaginário popular, nos cânticos, na transcendência de um simples 11 contra 11. É nisso que reivindica - e ganha - sua grandeza e sua tradição. Por isso, proclama a frase mais fiel a seus torcedores possível: "ninguém cala esse nosso amor", que podia muito bem dizer "sou alvinegro apesar de tudo e graças a Deus".


Acontece que, quando há um lance duvidoso lá pela metade do segundo tempo e ele pode beneficiar o Flamengo, é natural que seja marcado a favor do Flamengo. Natural não quer dizer certo, mas, como todo time maior (não confundir com grande, que o Rio tem quatro), em grande parte das vezes penderá para ele o benefício da dúvida. O árbitro tem pouco tempo para decidir e sabe que tem duas escolhas: não marcar um pênalti que as câmeras podem revelar ser ou marcar um pênalti que as imagens mostrarem não ser. Sabe que, se optar por não marcar um pênalti que for de fato, pode ser crucificado pela opinião pública, pela federação, enfim, por tanta gente influente e com poder de voto e veto que pode adiar o sonho de alavancar a carreira.

Botafoguenses questionam uma possível omissão conveniente da mídia nesses momentos. Ora, o certo mesmo seria fazer como o Hélio Fernandes Filho, da Tribuna da Imprensa, que estampou na capa a indignação com o erro capital na final do ano passado (quando o bandeira marcou impedimento inexistente em Dodô e expulsou o atacante). Agora, eu questiono: quantos cidadãos de bem comprarão a tribuna da imparcialidade? Eles amanhã vão preferir comprar um jornal escrito "Campeão", "Time de Tradição" ou simplesmente "Créu", ou um que diga: "campeão sim, mas...?". Não adianta, um jornal, uma televisão, um rádio são meios de comunicação de massa e para as massas. Não podem falar uma linguagem diferente da maioria. Que não se confunda isso com mentir. Simplesmente a discussão do pênalti e das expulsões tende a ocupar um espaço menor do que talvez merecesse por justiça.


Porque futebol é paixão e multidão. Se fosse o contrário, os jornais até questionariam com mais veemência o lance capital. Não há nada de anormal nisso. Jornalista não é robô. Além de torcer, sabe que, mesmo querendo ser imparcial, deve levar em conta seu público. Se, daqueles 10 torcedores cariocas, 6 acordassem de mau-humor, sabendo que perderam uma final sem merecer, isso sim seria relevante. Isso sim seria notícia. Falar de imparcialidade absoluta nesse universo é ser hipócrita e ignorar o acontecimento esportivo.


Se a história é a eterna procissão dos vencedores, a notícia esportiva é a romaria dos fiéis torcedores. Para eles e por eles são feitas as manchetes. Como sempre, carregadas de emoções e parcialidades, um pouquinho mais ou menos envernizadas. É assim desde que bola é bola, doa a quem doer.

2 comentários:

Anônimo disse...

Isso me lembrou os papos de final de expediente na época do Pan. A gente sempre comentando que jornalista, apesar de parcial, como qualquer outro, não deve fazer o papel de torcedor.

Crítica, xingamento e dizer que "o treinador errou" é coisa de arquibancada. Na TV, no jornal ou em qualquer outro meio, é preciso um pouco mais de cautela.

Sempre vejo jornalista - e estudante de jornalismo também, o que é pior - dizendo que "a imprensa não deve passar a mão na cabeça de jogador nem de técnico", "que o jornalismo esportivo deve fazer o papel de defensor do torcedor". Pior é ver que a maioria desses aí nunca pisaram num gramado, sequer tem a noção exata do que realmente é dirigir uma equipe de futebol. Como é que você vai criticar se você não estudou minuciosamente tudo aquilo que envolve futebol e esporte? Como você vai dizer que um técnico mexeu errado sem entender, por exemplo, o que se passa nos bastidores do clube?

Esse tipo de jornalista é o mesmo sujeito que se diz absolutamente imparcial comentando sobre futebol, ainda que torcedor fanático do Palmeiras ou do São Paulo. Tentar se posicionar de forma neutra, e seguir alguns critérios para não cair na parcialidade do senso comum, tudo bem. Agora, exigir total imparcialidade quando se trata de futebol, como diria o Canhota, "tá de brincadeira, né?"

Antes de exigir qualquer frescura do manual de jornalismo, muitos comentaristas e chefes de reportagem deveriam priorizar as palavras "respeito, bom senso e estudo" antes de cobrir futebol. Se houver pelo menos um pouco dessas três coisas, imparcialidade (ha ha ha) é o de menos.

Rafa Barros disse...

Com certeza, amigo. Mostrei o texto pro pessoal do Sportv e muita gente ficou muda, sem reação. Na verdade alguns devem ter posto a mão na consciência...