sábado, 4 de agosto de 2007

Não tente ser imparcial

Essa frase deveria ser estampada em todos os quadros-negros das faculdades de jornalismo pelo Brasil. Não vale a pena se formar achando que tem como se isentar de um dos lados ao tomar partido de uma questão qualquer. Viva a liberdade de puxar a brasa para a sardinha, porque quem acha que pode escapar dessa fatalidade anda escorregando feio.

Que o diga o Flávio Prado, que se notabilizou como apresentador do Cartão Verde, da TV Cultura de São Paulo e, atualmente, dirige um programa esportivo na Gazeta, também na maior cidade do país, além de assinar uma coluna no site Gazetaesportiva.net. Lembro-me do Flávio criticando ardorosamente os apresentadores que se rendiam ao poder da publicidade e aceitavam dividir espaço e tempo em seus programas com anúncios dos mais diversos. Foi capa da Carta Capital lá pelo ano de 2003. Dizia que, ao fazer isso, o comunicador perdia a liberdade de criticar o anunciante, caso precisasse. Tinha razão. Mas o que dizer de falar mal do futebol alheio só porque você nasceu no estado vizinho? Pois a parcialidade deu uma goleada em Flávio nesta semana quando o jornalista se meteu a dar opinião sobre o doping do jogador Dodô, do Botafogo.

Abre aspas o Flávio, em sua coluna no site Gazetaesportiva.net "Dodô está liberado para jogar depois da prova e contra prova de sua urina ter dado positivo no exame anti-doping.(...) Não é de hoje que o Botafogo é beneficário desse tribunaleco, ou alguém esqueceu do caso Sandro Hiroshi. Aliás, há um jogador do Juventude, Alex Alves suspenso pela mesma substância e pelos mesmos auditores. É uma vergonha./ Se Dodô for inocente o Botafogo foi no mínimo displicente e teria que ser punido. Aliás penalizados só foram os clubes que enfrentaram uma equipe com jogadores turbinados, sem qualquer punição".

Prado fala de um complô para ajudar o alvinegro carioca, que não vem de hoje e insinua que o clube teria dopado intencionalmente seus atletas e que, por isso, eles estariam tão bem, justificando inclusive a liderança no equilibrado e difícil campeonato brasileiro. Reparem na palavra "turbinado" cheia de más-intenções, quando se refere ao clube.

A acusação que pesa sobre Dodô tem origem no erro de manipulação de um laboratório, que misturou acidentalmente traços de uma substância proibida com cafeína, composto permitido e utilizado amplamente pelo Botafogo em seus atletas. Isso ficou evidente em uma análise particular encomendada pelo próprio clube. A questão é que, perante a justiça, o laboratório não quis assumir. Como se fala em responsabilidade objetiva, fica sempre a hipótese de alguém do clube ter intencionalmente contaminado seus próprios atletas, ainda que isso vá completamente contra o bom-senso.

Quem conhece um milímetro de Dodô sabe que o atacante seria incapaz de compactuar com a insanidade de se dopar com Femproporex, uma espécie de "bolinha" mal-acabada usada por caminhoneiros no Brasil, que traz mais efeitos colaterais como enjôo, náuseas, surtos psicóticos, entre outros, do que benefícios a um atleta de alto rendimento. Definitivamente não condiz com o caráter do artilheiro, primeiro porque ele não precisa disso. Segundo porque ele até poderia ser mau-caráter, mas burro não.

A mágoa de Flávio, no fundo, é com o futebol carioca. Com o Botafogo, que pediu pontos de um jogo que havia perdido de goleada, em 1999 (6 a 1 para o São Paulo) e escapou de ser rebaixado na ocasião (o tal caso Sandro Hiroshi que ele cita). Mágoa também do Fluminense, que caiu para a segunda divisão em 1997, fez manobras políticas para não descer e, quando conheceu o fundo do poço em 1999, voltou da terceira divisão diretamente para a primeira. Por que não dizer, uma pontinha de ressentimento com o Vasco dos mandos e desmandos de Eurico Miranda, como na final da Copa João Havelange de 2000, quando o Vasco conseguiu remarcar uma partida dura contra o São Caetano após a queda de um dos alambrados do Estádio de São Januário. Pensando bem, raiva também com o Flamengo, que, segundo comentários dele próprio na TV Gazeta, só não está na segundona porque é constantemente ajudado pelas arbitragens. Em suma, por ele o futebol carioca bem que poderia explodir.

Mas, estranhamente, vai bem. O Fluminense é o campeão da Copa do Brasil e garantiu vaga na Libertadores da América, competição mais importante do continente. O Vasco está entre os primeiros e, se o campeonato acabasse hoje, estaria também classificado. O Flamengo vai mal, mas é bom lembrar que com vários jogos a menos por causa do Pan-americano. O Botafogo, contra quem Flávio dirige seus dardos do Ipiranga, esse é de matar de raiva. Lidera o campeonato há 17 rodadas, mesmo com seu artilheiro suspenso por um estranho doping manteve a ponta e acaba de ganhar uma licitação para administrar o estádio mais moderno do Brasil: o Engenhão, construído especialmente para o Pan do... Rio de Janeiro. Enquanto isso, São Paulo, que já teve mais de 10 times na primeira divisão, hoje lambe os beiços de ter apenas os quatro grandes, sendo um deles, o Corinthians, na zona de rebaixamento.

É muito para a cabeça desse cidadãopaulista futebol clube.

Aí ele resolve chutar o balde e dizer nas entrelinhas que o alvinegro só é líder porque "turbina" seus atletas com bolinhas de Femproporex. Depois, insiste na picuinha: atesta seu desprezo pelo tribunal de justiça desportiva. Mal se dá conta de que, ao fazer isso, ele despreza sim a inteligência de milhares de leitores ao chutar o bom-senso para escanteio. Flávio, que sempre brigou com os fatos para sustentar sua imparcialidade, acaba de ser surpreendido pelo seu ufanismo bairrista. O pior é que, diferentemente dos que se vendem, permitindo que se anunciem produtos em programas esportivos, não vai ganhar um centavo de recompensa por isso.

Enfim, já deu de Flávio Prado. Apenas para relembrar aos coleguinhas que o Ministério da Saúde Literária adverte: querer ser imparcial faz mal à saúde de vossos textos.

3 comentários:

Breiller Pires disse...

E o que diria a paulistada do caso de doping do Ricardinho, ex-Corinthians, também avsolvido em caso semelhante ao do Dodô? Uma questão de jurisprudência, meus caros.

O que se vê hoje em dia, Rafa, é uma má vontade generalizada da imprensa brasileira com o futebol carioca.

Do mesmo jeito que boa parte da imprensa paulista limitou-se a ressaltar apenas os pontos negativos do Pan-americano, os jornalistas de fora do Rio, infelizes, coitados, insistem em bater na mesma tecla ao falar de futebol carioca: desorganização, cartolagem, baixo nível técnico etc.

Fato é que, mesmo com todos os problemas, os clubes cariocas não deixaram de conseguir bons resultados nos últimos anos. E o Campeonato Carioca, indiscutivelmente o mais tradicional dos estaduais, tem sido o mais emocionante depois que o Paulistão adotou a fórmula de pontos corridos.

Querer imparcialidade no jornalismo esportivo é quase como pedir silêncio em um estádio de futebol. O duro é aguentar a hipocrisia de uma imprensa que, ao tentar ser crítica em relação aos dirigentes cariocas, acaba desrespeitando os clubes, as instituições, os torcedores. Uma imprensa ufanista, inclusive, que torce contra e atira pedras no futebol do Rio.

Dor de cotovelo pura...

Rafa Barros disse...

Concordo, Breiller. Só discordo de você não postar o texto no lugar de destaque. Vou me permitir fazer isso, ok? Assim inauguro sua participação no blog!

Abraços!

Breiller Pires disse...

Às vezes não costumo ser breve em meus comentários hehe.

Tenho um texto pra postar. Vou catar ele nos arquivos do meu blog e amanhã posto aqui.