sábado, 13 de novembro de 2004

O preço da dignidade

Vinte anos se passaram desde que um acordo de 13 supostos cavalheiros proclamou o Flamengo campeão brasileiro de 87. O tempo exato para que outra equipe igualasse o feito rubro-negro, também conquistasse seu quinto título e transformasse em isopor uma conquista inquestionável até então.

Honestidade e lealdade não são exatamente palavras caras ao mundo do futebol. Não é preciso ir muito longe para se constatar isso. Quando o Brasil perdeu a Copa de 98, se prometeu uma devassa nas contas da CBF, uma caça às bruxas do mundo da bola como nunca se havia visto antes. Pois não foi preciso mais do que um ano para que o surto de moralidade se transformasse em pizza, quando os dirigentes perceberam que o relatório de Aldo Rebelo e Silvio Torres podia acabar sobrando para muita 'gente boa'.

Um ano depois, o Botafogo foi surrado no Morumbi pelo São Paulo - 6 a 1 - e, não satisfeito com o destino que o rebaixaria, arquitetou uma manobra nos porões do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, anulando o resultado daquela partida e garantindo assim sua permanência na primeira divisão. No mesmo ano, o Fluminense assegurava em campo o acesso à Série B, campeonato que o tricolor carioca jamais disputaria, ao ser levado diretamente à divisão de elite do futebol brasileiro.

As histórias de viradas de mesa são incontáveis no único país pentacampeão mundial e deveriam ser suficientes para ensinar às agremiações a não confiarem umas nas outras. Por 20 anos, o Flamengo acreditou que seu título de um campeonato não-oficial, chancelado apenas por eles, clubes, jamais seria posto em xeque. 2007 está aí para provar que os rubro-negros estavam errados.

Na verdade, estavam certos, afinal, mais do que no mundo real, no futebol brasileiro o planeta é dos espertos. Esperteza que garantiu às entidades contratos eficientes com as TVs e patrocinadores no ano de 1987 assim que perceberam o óbvio: poderiam lucrar mais sem a chancela da CBF. Mas, ao contrário do que ocorreria na Inglaterra cinco anos depois, Ricardo Teixeira sabia que os clubes não seriam leais o bastante para se auto-sustentarem. A mentalidade dos dirigentes tupiniquins não suporta perder no curto prazo para ganhar adiante. Por isso, no ano seguinte, todos fingiram que nada havia acontecido e tocaram o Brasileirão com o aval da CBF e o mesmo batismo infeliz: Copa União.

O Flamengo é o boi-de-piranha dessa história toda. Paga a falta de coragem dos 13 clubes mais importantes do país, que não romperam no tempo devido com a entidade controladora do futebol brasileiro. Agora, não adianta chorar a festa alheia. Dissimuladamente - o que em nada surpreende a ética da bola brasilis -, o tricolor paulista se auto-proclama único pentacampeão brasileiro, enquanto a Gávea se afoga num ressentimento de quem entre os grandes é o primeiro, mas preferiu o caminho das alianças de momento e do lucro fácil.

Assim, a tal taça de bolinhas só vai existir na imaginação dos rubro-negros, que terão para sempre contra si a a indiferença conveniente de seus parceiros e frieza dos números. Os mesmos números que apóiam o ilícito - porém leal - jogo do bicho. Por lá, diz-se que vale o escrito. E, como típica jogadora, que sabe de cor e salteado essa máxima, a diretoria do Flamengo não precisa enganar uma nação de apaixonados com falsas esperanças de dignidade histórica.

2 comentários:

Anônimo disse...

E, no fim das contas, de que vale o reconhecimento da CBF? O que importa é o entendimento do torcedor, e para ele já é bem claro que o Flamengo foi campeão em 87. Se o Sport também foi, deixa pra lá. Um dia na história tivemos um campeonato com dois campeões. O que isso vai mudar? Vai deixar o Flamengo menor? Vai colocar o São Paulo como melhor time de todos os tempos? Acredito que não.

Isso é assunto pra torcedor tirar sarro com a cara do outro, o que é absolutamente aceitável e bem-vindo no futebol. Mas não é assunto pra ser tomar a proporção que tomou, causar polêmica e disparar acusações daqui e dali. Imprensa e dirigentes quando assumem o espírito do torcedor só fazem lambança. Levam a sério aquilo que, nas arquibancadas, é apenas gozação.

Rafa Barros disse...

Dá uma lida depois no texto chamado "Vendo asterisco 87 - único dono". Uns dois abaixo desse. Fala exatamente disso.