domingo, 6 de julho de 2008

Favor pisar a grama


- Vamos brincar?
- Onde?
- Que tal naquele gramado lá embaixo?
- Não me parece uma boa razão para abrir mão do meu repouso.
- Vem comigo. Algo me diz que não vais te arrepender.

Começava a cair a dinastia de Roger Federer na quadra central do All-England Lawn Tennis & Croquet Club. O elegante número 1 suíço punha à prova seu repertório inigualável de lobs, slices, drives, voleios e todos os aparatos que o conduziram ao topo não só do ranking mundial como da história dos grandes tenistas.

Também de branco, do outro lado, um jovem espanhol sempre disposto a sujar sua roupa de terra. Mas terra não basta no planeta da bolinha amarela. Por isso, o bravo Rafael Nadal, melhor tenista da atualidade, ainda sentia um vazio apertar seu peito, pois que não encontrava títulos sobre aquele terreno gramado.

Mas quantos são os privilegiados que têm do destino a chance de preencher os vazios, de superar os limites, de se auto-conhecerem indo e voltando do e para o limite? Tudo pelo bailar inconstante de uma bolinha que toca irregular a grama do abarrotado clube de tênis inglês.


Duelo de titãs.

Federer líder, clássico, agudo e preciso. Plana na grama como se bater uma bola a duzentos quilômetros por hora fosse acariciá-la com as entranhas de uma raquete.

Nadal enérgico, eficiente, crônico e agressivo. Golpeia a bola como se fosse destroçá-la, sem, entretanto, arrancar-lhe um fio ou levá-la além das linhas brancas de jogo.

Wimbledon 2008. E tão logo os deuses acharam aquele parque para brincar, sentaram-se. Não havia muito a fazer além de aplaudir a inteligência de Roger e a energia de Rafael. Para quem torcer? Olharam para os lados, onde lendas vivas e mortas do tênis se entreolhavam, atônitos, a cada troca de gentilezas entre o suíço, o espanhol e a quadra inglesa. Três línguas que falaram por todas num domingo ora de sol, ora de chuva. Ora de suor, ora de suspiro.

A noite que caía no estádio sem luz artificial chamou os deuses dos vivos e os mortos que não sabem se são deuses, mas juram jogar como os vivos. Precisavam responder à pergunta que quicava há mais de quatro horas e meia na quadra central: para quem entregar o troféu de campeão? Afinal, se havia uma coisa injusta naquele duelo era deixar a noite apagar o brilho de dois cometas, como tentaram fazer nuvens carregadas horas antes.

Em um jogo como o deste domingo, 3x2 Rafael Nadal sobre Roger Federer com 6/4, 6/4, 6/7 (5/7), 6/7(8/10) e 9/7, título é detalhe, troféu é detalhe, números são detalhes. Em jogos raros como os de hoje, para o bem do esporte, o mais precioso está gravado na memória dos presentes e na alma dos ausentes. Por isso, trataram os deuses de encerrar aquela partida, que não podia, por falta de luz artificial, diga-se bem, varar segunda-feira adentro.

Por isso, eram 21h15 na grama sagrada inglesa quando o troféu de Wimbledon refletiu pela primeira vez a face de Rafael Nadal. Sem esconder um centímetro de sorriso, o jovem de 22 anos desfilou alegria na noite londrina. Federer, cinco vezes campeão por ali, ainda rei entre os grandes tenistas, soube reconhecer a façanha do espanhol, mas não encontrou palavras para quebrar sua decepção.
"De verdade, acho que nós dois demos duro até o fim. No tênis, infelizmente precisa haver vencedores e perdedores. Não há empates".

Quando toma de Roger a palavra, Rafael lembra que as lágrimas deste domingo o conectam ao seu primeiro Grand Slam, no saibro francês de Roland Garros, há três anos. Para um jogador tão experiente, embora jovem, a confissão de inocência diante da magia e da grandiosidade de seu esporte nobre.

Assim que a cerimônia termina e os campeões se vão, presenteados pela exibição de gala; tão rápido a lona verde cobre a quadra central do All-England Lawn Tennis & Croquet Club, almas libertas rumam para a quadra vizinha. A noite toma a cidade e cada londrino já trilhou o caminho de casa. É quando duas daquelas almas errantes finalmente resolvem brincar naquele parque. Tentam ser Nadal e Federer por um dia. E descobrem o quão duro é tentar ser humano.

- Não te disse que seria bom?
- Fico devendo essa ao amigo...

E voltam sorrindo para seus afazeres no além.

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