domingo, 6 de maio de 2007

Exatidão imponderável

A certa altura do jogo, o narrador pergunta ao experiente comentarista: o que vale mais em uma decisão é a raça ou a técnica? E ouve que além delas duas é preciso ter sorte. Na mosca.

A predestinação não é medida por códigos de esquemas táticos. Ela dá o ar da graça nas três letras mágicas que até hoje, tornam o futebol um esporte único. Quem paga o ingresso jamais sabe quem vai vencer, mas tem a certeza de que os louros vão parar sempre do lado de quem faz gol e sabe como evitá-los.

Muito se cantou o mantra numérico do futebol moderno nas últimas semanas. O Flamengo iria de 3-6-1 contra o falso 4-4-2 alvinegro, que evolui para um móvel 3-5-2 que, dependendo do ponto de vista, pode ser lido como um ousado 3-4-3. Pois a decisão do Campeonato Carioca acaba de botar por terra qualquer divagação extracampo. Venceu quem pôs mais vezes a bola dentro da rede. Simples assim.

O Botafogo foi superior ao Flamengo nas duas partidas da decisão do Carioca. E daí? Fez quatro gols, tomou outros quatro, e levou mais quatro nos pênaltis. Assim, o alvinegro deixou o Maracanã ostentando uma invencibilidade invejável no estádio e, ironicamente, não levou a taça para General Severiano.

Cuca fez palestras motivacionais, chamou os jogadores do Bota à responsabilidade e ao brio. Arrancou lágrimas de funcionários e atletas, fez uma oração forte antes da entrada em campo. Orientou o time para que não errasse passes, a defesa para que marcasse a jogada, não a bola. O Alvinegro seguiu a cartilha à risca. Jogou como sempre. Perdeu como nunca.

O código da predestinação rubro-negra começa na primeira partida da decisão, quando, vencendo po 2 a 0, a zaga alvinegra sai pedindo impedimento e obriga Júlio César a tomar uma atitude condizente com sua inexperiência. Faz pênalti, é expulso e deixa o instável Max em uma roubada.

O segundo gol rubro-negro sai das mãos justamente de Max, como que se negasse setenta vezes sete a qualidade técnica do Botafogo. Até então, nem o mais otimista dos rubro-negros acreditaria na virada. Após Max, ficou claro que Deus estava sentado à esquerda da tribuna de imprensa do Maracanã.

Ou não seria possível explicar o arroubo de competência do Flamengo. Chegou pouco ao gol de Max, desta vez mais protegido e, em quatro chances claras, aproveitou duas. Uma delas, por exemplo, veio dos pés de Renato Augusto, que cansou a torcida de tanto perder gols ao longo da competição. Por isso, não é exagero dizer que aquele gol foi forjado com mãos divinas.

O gol anulado de Dodô, Zé Roberto fora, Bruno e Leo Moura ligadíssimos, a torcida rubro-negra aplaudindo até lateral davam as pistas cabais de que a tarde seria, de fato, vermelho e preta. Quando Djalma Beltrami pediu a bola ao fim do jogo, até o mais otimista dos pessimistas alvinegros sabia que o manequinho tinha ido pro brejo.

Encantador, o Botafogo se despede do Carioca 2007 com o artilheiro, o melhor futebol, a equipe que mais venceu, o time que mais fez gols, o que perdeu menos jogos, somou mais pontos, encheu os olhos da torcida e dos comentaristas, etc, etc,etc... O Flamengo vai embora sem o melhor futebol, sem artilheiro, sem Obina, sem Juninho, praticamente sem rumo para a Libertadores. Mas com o título.

E basta perguntar a um torcedor alvinegro se ele venderia a alma lustrosa de seu time só para ter o gostinho de dizer que é campeão. Ou indagar ao rubro-negro se ele liga de sequer ter vencido o Botafogo no campeonato. A resposta se encontra em algum lugar entre o insignificante "não podes perder" alvinegro e o majestoso "vencer, vencer, vencer" cantado em verso e prosa na Gávea mais feliz do Rio de Janeiro.

Um comentário:

Camilo Cienfuegos disse...

É isso aí meu amigo...
Pelo menos metade do povo dos pampas gaucho está feliz hoje...