terça-feira, 15 de maio de 2007

Obra de igreja

Acabo de voltar do Centro de Pentatlo Moderno em Deodoro. É de entristecer. Reboco para todo lado, tratores dividindo espaços com atletas, lama, muita lama, poças d˙água, nenhuma lanchonete ou restaurante, banheiros químicos interditados, enfim, vestiário masculino de Maracanã ganha de goleada.

Antes de tudo, fico triste como cidadão. Percebo que, a 60 dias da abertura dos Jogos Pan-Americanos, cada instalação se resume a um grande canteiro de obras. Tudo isso às custas do meu dinheiro. Do seu dinheiro, da nossa confiança depositada nesse projeto tocado por gente da mais absoluta confiança. Onde estamos errando? Vamos continuar tapando o sol com a peneira e fingir que nada está acontecendo?

Sei que sobram perguntas e um certo desapontamento ao léu. Mas o espaço agora é para desabafo. Há um mês, este profissional que vos fala é funcionário do Comitê Organizador dos Jogos. Sou pago com o seu dinheiro. E pago para não fazer nada.

Me desaponta porque também me formei às custas do seu dinheiro numa faculdade pública. Talvez por isso, sempre procurei valorizar cada minuto, cada matéria, cada linha da profissão de jornalista. Trabalho demais, faço além do que me pedem, me prejudico às vezes, confesso. Mas faço com a consciência de estar, antes de tudo, cumprindo um dever cívico. Prestação de contas de um cidadão com sua sociedade. De um comunicador com o seu dever.

E fico pensando: onde está parando esse dinheiro que recolhem de impostos? Onde estão os IPTUs, as taxas estaduais e municipais diversas? Estejam certos: em Deodoro não estão. Por lá, apenas operários correndo contra o tempo para finalizar uma obra que, se não era para estar pronta a essa altura, ao menos já deveria estar na fase de retoques finais. Antes Deodoro fosse exceção. Duro é constatar que é assim em 70% dos locais de prova.

Por outro lado, não deveria me surpreender tanto, afinal eu mesmo, após um mês e alguns dias de trabalho, fui não mais do que 10 dias descontinuados à sede do COB. A culpa não é de quem me contratou. A culpa não é minha nem sua, mas de quem prometeu o que não poderia cumprir.

Li semana retrasada que Guadalajara prepara um Pan bem mais modesto que o nosso para 2011. Estão certos. Dinheiro e patrocínios não faltariam para prometerem um evento suntuoso. Mas o que ganhariam com isso? Status? Para quê? O que a cidade deixaria de legado para cada mexicano?

A cada dia me convenço de que o Pan nasceu fracassado em sua concepção política. Interesses dos mais diversos estavam em jogo quando o Rio lançou candidatura e venceu a cidade de San Antonio, nos Estados Unidos. César Maia, o prefeito, estava ávido por uma argumento que consolidasse sua imagem de estadista realizador. O capacete do Pereira Passos redivivo parece cheirar cimento. Nada melhor então, do que gerar emprego às custas de obras faraônicas.

As empreiteiras devem ter dado pulos de alegria. Obras aos montes para se candidatarem, aqueles mega-acordos de sempre (como o da obra do Metrô de São Paulo), enfim... Do outro lado o pobre do Nuzman, uma grande pessoa, mas que fez do Brasil Olímpico uma obssessão. Luta contra estatísticas, esbraveja contra fatos evidentes como a violência, estrutura de transporte precário, falta de infra-estrutura urbanística, e por aí vai.

A mídia também compra a idéia, e o faz com o gosto. A principal organização do país na área fecha um pacto tácito de não falar mal da (des) organização, da falta de transparência nos prazos e execuções, no amadorismo da gestão de problemas como a Marina da Glória e do Estádio de Remo da Lagoa. Do outro lado, promessa de exclusividade na transmissão dos eventos e aceno com a possibilidade (praticamente) real de ser a emissora geradora do sinal dos Jogos para o mundo.

Mas de repente a coisa vai ficando tão desorganizada que essa empresa nem ganha a exclusividade nem o direito de ser a "host broadcast". Mesmo assim, os dias avançam mais rapidamente do que as obras e o Pan continua a ser tratado como sol, sempre disposto a exalar brilho.

Ainda há tempo para mudar? Sinceramente, a essa altura acho difícil. Ao menos, creio que deva restar um mínimo de dignidade para não nos acovardarmos por detrás de empresas ou do discurso simplista de que "é assim mesmo, se eu espernear não adianta nada...". A situação exige uma postura, no mínimo, crítica a tudo o que se passa. A começar por quem deveria comunicar com isenção e compromisso social. Honestamente, não é o que tenho visto por aí. Estou incomodado. Muito. E não sei até quando vou querer conviver com essa omissão.

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