domingo, 13 de maio de 2007

Papas na língua

Quem acordou cedo neste domingo para torcer por Felipe Massa no GP da Espanha de Fórmula 1 se frustrou. Justamente quando o brasileiro liderava, a poucas voltas do fim, a Rede Globo acabou com a diversão. Pudera, missa é coisa séria.

Ainda mais se rezada pela entidade máxima do catolicismo. Ainda mais no Brasil. Ainda mais numa emissora católica. Ainda mais numa emissora católica que faz questão de prestar contas de seu catolicismo.

Li e vi muita gente revoltada com a atitude da emissora. Por isso, gostaria de entender junto com os amigos o que a levou a tomar tal decisão. Frustrante ou não, é mais ou menos assim que funciona.

Antes de saírem atirando pedras na Globo, é bom que se saiba: a rede carioca se dispôs a pagar uma grana boa quando tirou do ar o GP da Espanha ao vivo. Isso porque tem direito de exclusividade para corridas de Fórmula 1. Nisso o mercado é implacável: quem deseja exclusividade tem de pagar milhões anualmente na aquisição de cotas antecipadas.

Afora isso, as letras do contrato são muito claras e determinam que a empresa faça jus ao direito de transmissão exclusiva. Significa dizer que, se não quiser passar um trecho da prova que seja, o bolso vai doer.

E a Santa Missa? Nada. Nenhum direito de exclusividade, nenhuma grana para o episcopado do Vaticano. Então a Globo bancou jogar dinheiro pelo ralo apenas em nome de seu status católico? Definitivamente, não.

O raciocínio é simples. A multa pela não transmissão da Fórmula 1 é alta, porém fixada. Já a audiência obtida numa missa papal é incalculavelmente maior. Incalculavelmente porque traz para a frente da TV pessoas que normalmente não estariam lá num domingo de manhã. Na linguagem marqueteira, não fazem parte do público-alvo do horário. O público de domingo de manhã é mesmo do esporte, não tem jeito. A não ser que até o Papa resolva baixar no Brasil. Pois é, aí acontece uma dispersão qualitativa desse público-alvo.

Em resumo, a velhinha, a dona-de-casa, o executivo, o jovem, enfim, uma mistura de categorias que dificilmente veriam um mesmo programa num mesmo horário excepcionalmente tornam-se uma audiência em potencial. Torna-se irresistível para a emissora não querer angariar espectadores tão diversos para consumir seu conteúdo matutino dominical.

Pode até ser que a visita papal não renda aos cofres da empresa lucro acordado em contrato, mas gera muita grana indiretamente. Primeiro com os patrocinadores que por acaso desejem anunciar antes e depois da missa. E, ainda que não haja anunciantes durante a missa, por diretrizes éticas da emissora, qualquer evento para o qual ela "entregue" entrará no ar repleto de audiência. Como sabemos, na equação comercial das redes de TV, audiência é igual a dinheiro. Muito dinheiro, diga-se de passagem.

Há também uma questão importante de status. Grandes eventos são uma janela para o fortalecimento da marca da emissora. No caso, a marca em questão é institucional. A Globo vê na cobertura da agenda do Papa grande oportunidade de reafirmar seu posicionamento ao lado dos católicos. Ainda que o Brasil seja um Estado laico, tem no catolicismo a religião de maior aceitação, com larga margem de vantagem para a Igreja Evangélica, que vem a seguir.

Por isso, não é exagero dizer que a Globo até aceitou perder dinheiro para transmitir a Santa Missa. Vale o sacrifício em prol do vínculo de confiança com sua audiência. Mesmo que os fãs de esporte e de Felipe Massa chiem, não é exagero dizer que fazem mais barulho do que número. São parte já fidelizada da audiência, forjada em anos de Emerson, Piquet, Prost, Senna e Schumacher. Eles não vão deixar de acompanhar as próximas corridas, ainda que com uma ponta de ressentimento. Nada que uma nova vitória de Massa ou o Tema da Vitória não apaguem.

Já o Papa voltará para o Vaticano. E por aqui, o que ficará? Sempre que os milhões de fiéis ameaçarem se esquecer, virão à cabeça - ou dos arquivos da própria emissora - as imagens de Sua Santidade captadas pelas lentes da Rede Globo de Televisão.

Num domingo que respirou Massa e Missa, o placar final ficou assim: Felipe 10 x Bento 16.

Nenhum comentário: